A matéria prima tratada com mais respeito
A uva recém-colhida é extremamente perecível, em poucas horas pode estragar.
Em inicios da década de setenta, a uva era retirada dos vinhedos com a ajuda de cestos de vime e levada próximo dos caminhões ou carretas onde era transferida para o recipiente final de transporte chamado dornas. Estas dornas eram recipientes troco-cônicos de madeira, tipo grandes baldes, feitos com duelas e arcos metálicos como as pipas, de diferentes tamanhos variando entre 80 e até 100-120 quilos. Com o uso destes recipientes se reduzia o custo do frete porque cada caminhão carregava até 25-30 dornas. Para carregar mais as dornas, as uvas eram socadas e esmagadas com ruptura das cascas.
Se tudo isto não fosse suficiente para deteriorar as uvas, os produtores para economizar, evitavam a contratação de “safristas” e colhiam as uvas com a ajuda da própria família o que tornava esta tarefa muito lenta. Por isso as uvas ficavam nas dornas de um dia para outro esperando completar a carga, o que frequentemente resultava no inicio da fermentação.
Resultado: as cantinas recebiam uvas extremamente deterioradas e até em processo de fermentação descontrolada e em péssimas condições.
A solução achada, e muito polêmica na época, foi substituir as dornas por caixas plásticas de 18 quilos, de fácil manuseio, encaixáveis umas nas outras para transporta-las vazias e com encaixes para ficarem umas acima das outras para quando estavam com uva. Nestes recipientes menores as uvas permaneciam inteiras, o que já era uma mudança.
Mas o problema não ficou totalmente solucionado porque permanecia o hábito de colher demoradamente. Foi necessário reforçar os estímulos financeiros na forma de prêmios aplicáveis de forma acumulativa para diferentes exigências: grau de maturação mínimo de 18º Babo (as uvas chegavam com 14-15 ou no máximo 16º Babo), perfeito estado sanitário, sem folhas e sem grãos podres. Os prêmios resultavam em acréscimos de até 60% do valor oferecido pelo mercado.
Devo destacar que a introdução das caixas foi um processo trabalhoso e demorado porque os produtores se resistiam, argumentando que eram pequenas e o carregamento e transporte seria mais complicado.
A Martini adquiriu as caixas e em certo momento chegou a ter 40 mil delas num volume considerável de dinheiro imobilizado. Era o custo da qualidade. Com o passar dos anos outras cantinas começaram a exigir este tipo de vasilhame de transporte e nós conseguimos vender as caixas para os produtores. O problema do transporte tinha sido solucionado.
Mexer na produtividade
Tendo atingido um nível de remuneração diferenciado, a segunda etapa foi controlar a produtividade. O levantamento da propriedade de cada produtor, medindo áreas, contando pés sadios e viróticos, nos permitiu conhecer a produtividade por pé. Não é adequado falar simplesmente em produtividade por hectare sem conhecer o número de pés que a compõem.
Na época quase todos os vinhedos eram conduzidos pelo sistema latada (foto) e a densidade (distancia entre fileiras e distancia entre pés) era muito diferentes de produtor para produtor conforme geografia e critério do dono. Estabelecemos uma produtividade máxima de 3 quilos por planta, apesar de entendermos que para determinadas variedades o ideal eram 2 quilos.
Alguns produtores ficavam muito orgulhosos ao demonstrar que tiravam “uma caixa por pé”, produtividade que impedia a maturação da uva e a deixava mais exposta a doenças e podridão.
O perigo da galinha
Ao visitarmos alguns produtores (que hoje já são produtores de vinhos até famosos) percebemos o uso em grande quantidade da “cama de aviário” como adubo.
Lembro que um técnico da Secretaria da Agricultura do RS de Caxias do Sul me disse uma vez: “A merda da galinha vai acabar com os parreirais da Serra”. Confesso que no momento não entendi do que se tratava. Pouco tempo depois percebi porque alguns vinhedos pareciam trepadeiras e a produção era absurda. As regiões de Garibaldi e Bento se caracterizam pela alta concentração de aviários onde se cria e reproduz frango encomendado pelos abatedouros locais.
Por esta razão o esterco de galinha era barato e de fácil acesso. Felizmente, através de controles rigorosos esta prática foi abolida na região e a produtividade caiu para volumes aceitáveis resultando na melhora da matéria prima.
A virose
Não havia controle fitossanitário e por tal razão não se sabia quantos pés eram sadios e quantos estavam infectados com viroses nas propriedades da região. Como a propagação era de mãos em mãos a virose caminhava aceleradamente.
Este problema provocou a queda e quase desaparecimento da variedade Cabernet Franc que teve uma grande procura nos anos oitenta, e por ter se propagado de forma acelerada desta forma, começou a apresentar problemas de virose sem solução.
A garantia de sanidade exigida dos viveiros fornecedores é fundamental porque a planta nova não apresenta os sintomas.
Somente aos quarto ou quinto ano de produção as folhas já apresentam a doença, a produtividade cai, a maturação é incompleta e a planta deixa de produzir o fruto adequado para elaborar vinhos de qualidade.
A virose não tem cura e pode haver contaminação de planta para planta através do uso da tesoura de poda, por exemplo.
Nos anos setenta e oitenta a virose se espalhou acentuadamente e foi necessário abandonar certos vinhedos para substitui-los por novas áreas. Foi o preço pago pela mistura do descontrole com a ignorância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário