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quinta-feira, 23 de março de 2017

Emblemática




É habitual as pessoas citarem alguns vinhos como sendo emblemáticos de determinados países, Carmenere no Chile, Malbec na Argentina, Tannat no Uruguai. Estes vinhos, que representam geralmente uma importante porcentagem do total cultivado destas uvas em algumas regiões dos países, ganham tanta importância que acabam ofuscando outros vinhos de tanta ou maior qualidade.

No Brasil, onde a presença forte das uvas Vitis viníferas é relativamente recente, desde as décadas de setenta e oitenta quando se importaram grandes quantidades de mudas da França e da Itália, se busca uma variedade que seja a mais representativa das regiões produtivas.

Como a única região produtora nessa época era a Serra Gaúcha, nos referiremos a esta inicialmente.

A Serra começou certo e continuou errado.

Começou certo porque as primeiras uvas tintas foram Cabernet Franc e Merlot que se adaptaram bem, resultaram em excelentes vinhos e comercialmente tiveram bom desempenho, em especial a primeira chamada somente Cabernet.

O consumidor não tinha a menor ideia que existia mais de uma “Cabernet”.

A uva branca mais cultivada era a Riesling Itálica que resultava em vinhos frescos, aromáticos e extremamente agradáveis.

Com o tempo e a necessidade de ganhar mercado, as vinícolas procuraram os caminhos mais rápidos.
Assim surgiram vinhos de marcas com apelo francês como Château Duvalier, Maison Forestier, Baron de Lantier, Georges Aubert, Saint Germain e outros. Com esses nomes era necessária a presença de uma variedade que os representasse e a escolhida foi a Cabernet Sauvignon, famosa, charmosa, base dos grandes vinhos do mundo, apelativa, perfeita.

O erro não foi a escolha desta variedade de ciclo tardio, foi abandonar totalmente a Cabernet Franc e relegar ao segundo plano a Merlot.

Quem elabora vinhos sabe da importância do clima na fase pre-maturação, em especial as chuvas.
Quando o grão encerra a fase de crescimento intracelular e define seu tamanho, a água das chuvas o encharca provocando um efeito diluidor.

Por isso as variedades de ciclo mais longo como Cabernet Sauvignon, sofrem mais o efeito das chuvas que infelizmente são frequentes.

Na minha longa experiência elaborando vinhos tintos no Rio Grande do Sul, tanto na Serra como na Campanha e Serra do Sudeste, comprovei como a Merlot e a Cabernet Franc, que são de ciclo mais curto, sofrem menos, maturam sem maiores sobressaltos, oferecem taninos mais doces e amáveis, são mais apropriadas para produzir bons tintos jovens ou envelhecidos.

Muitos dos vinhedos cultivados nas últimas décadas em novas regiões foram implantados, a meu ver equivocadamente, com predominância de Cabernet Sauvignon. Se fosse proprietário de um deles faria a reconversão através de enxertia e escolheria Cabernet Franc e Merlot.
São ainda desconhecidas para o grande público, mas sem dúvida mais confiáveis.

É importante entender que o mercado hoje, apesar de estar mais preparado, continua ávido de novidades, garimpa na busca de confiança, tipicidade, caráter.

Talvez seja esta a razão do constante crescimento dos vinhos importados sobre os nacionais, porque oferecem a todo momento marcas, regiões, uvas e estilos diferenciados.

Sei que há dezenas de outras variedades que poderão dar bons resultados, algumas apropriadas para algumas regiões, outras não, mas acredito que o desafio de recuperar a confiança do consumidor quando o tema é vinho tinto, passa pelo resgate de duas variedades que já demonstraram quanto são generosas com o Brasil, Cabernet Franc e Merlot.

Talvez uma delas possa se transformar em emblemática ajudando á imagem do Brasil internamente e no exterior.