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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Wine Tour Mendoza - Parte 4





Bodega & Cavas de Weinert

Visitar esta vinícola foi como voltar ao tempo devido a minha amizade com Don Raúl de la Mota, enólogo que participou ativamente desde o inicio do projeto, lá pelos anos setenta, no Municipio de Lujan de Cuyo.

Um visionário brasileiro, Don Bernardo Weinert, proprietário da empresa Transportes Coral que atuava fortemente entre Argentina, Chile e Brasil, se apaixonou pelo mundo do vinho e em especial por Mendoza, adquiriu uma velha vinícola inativa e iniciou seu projeto contratando Don Raul.

Se o objetivo era criar uma vinícola para elaborar vinhos de alta qualidade, a escolha não poderia ter sido melhor.
Don Raul era daqueles enólogos exemplares que fundamentava seu trabalho em dois pilares simples e sólidos: qualidade da matéria prima e respeito ao tempo.

Uvas adequadamente maduras, sem exageros, sem busca da sobre maturação, quando os taninos atingem seu ponto certo.
Em relação ao tempo, Don Raul dizia que os vinhos nascem após o primeiro inverno, crescem lentamente e atingem, cada variedade diferentemente, a base da qualidade superior pelo menos com 4 anos de vida.

Eu conheci a filosofia de trabalho de Don Raul porque tive o privilégio de trabalhar com ele na Bodegas y Viñedos Arizu de Godoy Cruz em fins dos anos sessenta, logo após a minha formatura de enologo.

Foram dois anos de pura aprendizagem nos quais gravei a fogo a convicção de que as duas variáveis fundamentais de Don Raul, as aplicaria pelo resto da minha vida enológica.
Por isso minha luta diária contra o excessivo intervencionismo e o uso de insumos e recursos que procuram o vinho fácil, instantâneo, sem corpo nem alma.

Quando idealizei o roteiro e escolhi as vinícolas do Wine Tour Mendoza, o fiz pensando nesta vinícola e o resultado foi o esperado.

O casarão velho restaurado impressiona pela sobriedade e elegância, chamando a atenção a cor rosada que lembra as antigas formas de pintar com sangue de boi.



Já ao entrar, a penumbra nos corredores “recheados” de toneis de diferentes tamanhos de carvalho de Nancy, revela a forma antiga de elaborar vinhos tintos, demoradamente, os aguardando, os cuidando, os deixando evoluir com o auxilio da diminuta oxigenação que oferecem esses barris devido ao tamanho.

Nesta vinícola não existem tanques de inoxidável para conservação e as barricas estão presentes timidamente.



É outro jeito de fazer, a meu ver muito diferente das tendências atuais onde a espera parece incomodar.
As pilhas de vinhos de lotes especiais envelhecendo, entre eles um malbec de 1977, nos deixaram com água na boca, ansiosos para iniciar a degustação.

E ela chegou numa aconchegante sala na qual saboreamos os vinhos tintos a seguir.



Carrascal Tempranillo 2013

Um vinho com cinco anos é considerado jovem na vinicola Weinert e este vinho de uma variedade que parece ter encontrado um bom hábitat em Mendoza, se apresenta com uma bela e intensa cor ametista, brilhante, aromas vinosos muito intensos lembrando cerejas, na boca apresentou corpo médio, boa acidez e boa evolução dos taninos, muito agradável.

Carrascal Cabernet Sauvignon 2013

Sua cor vermelha escura intenso antecipa boa estrutura digna deste varietal. Os aromas chegam a ser adocicados lembrando frutas maduras. Na boca é macio, aveludado, com taninos marcantes típicos de Cabernet Sauvignon. É um vinho equilibrado, excelente.



Cabernet Sauvignon Weinert 2006

Apesar de não ser a uva emblemática argentina, a Cabernet Sauvignon vem se destacando pelos excelentes vinhos que proporcionada em Mendoza. Este vinho proveniente de vinhas francesas antigas é magnífico. Possui cor intensa, vermelha marrom com reflexos laranjas, profunda. Os aromas complexos onde a moderada baunilha não esconde as especiarias. Na boca é longo, saboroso, macio, convidativo, persistente. Muito bom.

Malbec Weinert 2006

Apesar da idade, este malbec é potente, elegante e sutil. Sem dúvida que a ação da madeira de grande tamanho permite a lenta e gradual maturação que possibilita este resultado. A madeira no esconde, revela, ressalta, evidencia as características desta variedade pouco valorizada no mundo mas tão especial em Mendoza.
Este Malbec, que terá uma longa vida pela frente, me deixou especialmente admirado porque comprovou quanto é questionável o uso massivo do aço inoxidável e as barricas de 225 litros novas, para a elaboração de todo e qualquer vinho "moderno".
Foi um visita fantástica, emocionante.
Parabéns Don Bernardo Weinert por ter preservado sua filosofia de trabalho ao longo dos anos.

domingo, 17 de junho de 2018

Wine Tour Mendoza - Parte 3



Nesta viagem feita no mês de maio, o critério da escolha das cantinas a serem visitadas foi daquelas que mantêm a tradicional forma de elaborar, maturar e envelhecer seus vinhos.

As cantinas que obedecem o tempo, as que comercializam vinhos de pelo menos 4 anos, mais amáveis, complexos, cativantes.

Sempre afirmei, sem conhecer a vinícola mas sim seus vinhos, que ante a dúvida, negando-se a torrar dinheiro, recomendo escolher um vinho Norton. Dificilmente ficará desiludido, são confiáveis.

Por isso, esta vinícola foi uma das escolhidas.

Norton

Já ao chegar você percebe que o bom gosto e a ordem serão predominantes.

Jardins perfeitamente cuidados e arborizados planejadamente, acessos amplos, tudo em ordem. Não parece uma cantina centenária cansada pelo tempo e pelo uso.

Como chegamos algo atrasados o programa foi invertido, almoçamos primeiro e fizemos a visita depois.

O almoço com “6 pasos” (menu na foto) foi servido num aconchegante restaurante rodeado de alguns toneis de carvalho antigo. Foi uma magnífica sequencia de pratos com camarões, coelho e carnes numa suculenta parrilada.

Surpreende como as vinícolas se prepararam para receber os visitantes, com muito profissionalismos, com chef, maitres e sommeliers bem treinados oferecendo um serviço perfeito.

O almoço no qual pratos e vinhos conviveram tão harmoniosamente é fruto de muito conhecimento.




Os espumantes e vinhos servidos se destacaram e falaram alto da qualidade desta casa.

A delicada entrada de queijos foi acompanhada com um espumante Cosecha Especial Brut Rosé safra 2012, excelente, fresco apesar da idade, amável, sedutor.

Elaborado a partir de um vinho base composto de Pinot Noir e Chardonnay surpreendeu pela vivacidade e intensidade de aromas e sabores.

O vinho a seguir que acompanhou o prato de camarões foi um Norton Mil Rosas Rosado Malbec 2017, perfeito, jovem, leve, equilibrado, muito bem elaborado.

O terceiro passo composto de carne de coelho chegou com o Norton Reserva Sirah 2014, elaborado com uvas provenientes de vinhedos velhos com mais de 30 anos.

O casamento foi perfeito e o vinho de cor vermelho rubi intenso, brilhante, chamava a atenção pelos aromas de amoras maduras e frutas secas como figos.

Em boca foi potente porém macio, redondo e aveludado com um final muito agradável.

Por fim o prato destaque, a esperada parrillada, trouxe o melhor vinho, um dos ícones da casa, o Quorum IV, elaborado a partir de 3 cepas: Malbec 2010 (20%), Cabernet Franc 2013 (28%) e Petit Verdot 2012 (52%).

Com este magnífico trio de uvas o vinho não poderia ser diferente. Junta a doçura dos taninos maduros do malbec, com a elegância do Cabernet Franc e a potencia e frescor da Petit Verdot. Fantástico, muito agradável.

Ao final, ante a falta da Graspa, nos foi oferecida a possibilidade de continuar com um dos vinhos. Eu optei pelo Quorum IV.



Durante a visita guiada por um enólogo, podemos perceber o cuidado da vinícola na elaboração, maturação e envelhecimento de seus vinhos, dando especial atenção aos tintos que repousam em grandes toneis ou barricas de carvalho, e as enormes pilhas de garrafas mantidas nas caves subterrâneas.

Nestas os vinhos tintos, desafiando o tempo, envelhecem, ganham complexidade, maciez, elegância.

Numa das caves fomos surpreendidos com a última degustação, um tinto de lote único de 14.000 garrafas, chamado Lote Negro, um assemblage de 65% de Malbec e 35% de Cabernet Franc, todos da colheita 2015 de vinhedos situados no Valle de Uco.

Este vinho com quase 15% de álcool que é apresentado como um vinho com capacidade de guarda de 10 anos, fechou com chave de ouro nossa visita.

É um verdadeiro potro selvagem, puro sangue, potente, robusto, valente, digno desta magnífica casa.



Como disse no inicio, não conhecia Bodega Norton, mas sempre confiei em seus vinhos.

Após esta visita fiquei satisfeito de ter antevisto através de seus produtos, a dedicação e o empenho que esta casa dá a toda sua produção.

Obrigado Norton pela oportunidade. Voltarei!




segunda-feira, 4 de junho de 2018

Wine Tour Mendoza – Parte 2




O roteiro estabelecia que visitaríamos duas cantinas por dia, quatro no total.

Uma de manhã com almoço e uma à tarde. Julgo que um número maior, quando a pretensão é fazer visitas demoradas com degustação, seria cansativo e repetitivo. Qualidade antes que quantidade.

No primeiro dia nos aguardavam Carmelo Patti as 11:00 hs e Bodega Norton as 13:00 hs com almoço. O dia prometia em especial porque não conhecia nenhuma.

Carmelo Patti

O lugar é simples e despojado, mas um quadro com o rosto de Carmelo Patti na parede da recepção me deixou a impressão que encontraria um astro pouco modesto.

Ledo engano. Quando Carmelo chegou e deu as boas vindas ao grupo num palavrado simples e acolhedor, senti que o conhecia de longa data.
Logo me identifiquei com a forma de praticar a enologia, de entender a viticultura, os tempos, sem mistérios, sem frescuras.

A cantina é um galpão onde Carmelo elabora seus vinhos com uvas produzidas por um amigo que é o fornecedor de sempre.

Não há equipamentos sofisticados nem instalações luxuosas. Tudo e simples como ele. O papo foi agradabilíssimo, nos contou sua história, sua filosofia de trabalho, sua passagem por algumas cantinas como consultor e em especial nos falou sobre seus vinhos.

O tempo passou rápido porque Carmelo, com sua simplicidade, sabedoria e riso fácil faz com que todos nos sintamos em casa. Fiquei feliz pela escolha.

A forma de elaborar é a tradicional, clássica com o mínimo de intervenção.
Controle rigoroso sobre a sanidade e maturação da uva, desengaçado e maceração por longos períodos para extração dos componentes da cor e estrutura, repouso e maturação em madeira nobre e longo envelhecimento na garrafa.

Todos os vinhos passam por barricas usadas onde maturam demoradamente por períodos variáveis, dependem da decisão única e pessoal de Carmelo.

Não há formulas, não há prazos preestabelecidos, cada vinho é maturado e envelhecido conforme sua evolução.

Como deve ser. Assim de simples.

Alguém avisou a Carmelo que eu era enólogo e ele imediatamente disse que me conhecia porque havia ouvido falar de mim. Com certeza foi uma gentileza deste homem generoso.
Ao sair me brindou com uma garrafa de seu Cabernet Franc 2013, me deu um cartão e pediu que enviasse por e-mail minha impressão. Com certeza o farei.

Ao final Carmelo nos apresentou 3 vinhos que degustamos, Malbec 2013 (u$ 21,00) , Cabernet Sauvignon 2008 ( u$ 18,00) e Gran Assemblage 2008 (u$ 32,00).

Se observam os preços, situados entre R$ 70,00 e R$ 120,00 podem ver que são absolutamente justos pela qualidade dos vinhos.

Todos os vinhos são medianamente alcoólicos, muito equilibrados, saborosos e delicados.

Talvez por ser muito novo, o Malbec foi o que menos me empolgou porque a meu ver falta tempo de evolução, intensidade. Por ter muita fibra com o tempo ficará magnífico.

Dos outros dois, o Cabernet Sauvignon surpreende pelo caráter varietal e delicadeza. É um vinho amável, sedutor.

Mas meu preferido foi o Gran Assemblage, com boa intensidade de cor, límpido, leves aureolas laranjas de evolução, aromas intensos de frutas secas muito bem harmonizadas com ligeiras notas de madeira nobre, sabor longo, intenso, delicado, vinoso.

Este vinho composto de Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot e Cabernet Franc traduz perfeitamente o estilo Patti, vinhos que apesar de marcantes, se destacam pela amabilidade, são saborosos, convidativos, totalmente desvestidos das características que predominam nos vinhos da moda, muito álcool, muito corpo, muita madeira, muito nada.

Sei que algumas pessoas vão ficar espantadas, mas se fosse por mim, os tomava de garrafão.

domingo, 3 de junho de 2018

Wine Tour Mendoza - Parte 1




Junto com a minha amiga Claudia Luce Lund, proprietária da Casa de Turismo em Porto Alegre, organizamos o que chamamos Wine Tour Mendoza de 16 a 21 de maio.

Com um grupo de 10 pessoas partimos para esta cidade na qual me formei e passei minha adolescência e juventude até vir ao Brasil em 1973.

Mendoza é uma das mais belas cidades da Argentina, situada ao pé dos Andes.

Por causa disso ela junta áreas desérticas e áreas com ampla vegetação entre as quais ganham especial destaque os vinhedos.

Esta pequena província é a maior e melhor produtora de uvas e vinhos do vizinho país, terra do Malbec, das frutas, das árvores, dos olivares, da água.

Sim, porque Mendoza é um verdadeiro oásis no deserto surgido pela mão do homem, que soube criar os “caminhos da água” através dos quais leva esse precioso líquido desde as geladas montanhas até as áreas cultivadas e cidade.

São rios que enchem lagos e represas que alimentam canais mais largos e rápidos, ou mais estreitos e lentos chamados acequias que irrigam os plátanos que dão sombra e frescor a cidade.

Sem água, Mendoza não existiria por isso há um culto à arvore, às flores, à natureza verde que muda de cor conforme as estações.
O clima destaca as estações de forma marcante sendo que nas extremidades o calor e frio são intensos e nas estações médias como outono e primavera as cores e os aromas tomam conta do ambiente.

Caminhar pelas calçadas de Mendoza num túnel de plátanos de sombra e ouvir o som da água escorrendo pelas acéquias centenárias é algo especial porque mostra a interligação entre ambos, um vive pelo outro, um está aí para o outro.

O City Tour feito no primeiro dia teve como finalidade mostrar ao grupo estes detalhes que destacam o esforço feito pelo homem ao longo de séculos.

O passeio pelo Parque General San Martin, em pleno centro da cidade destacou a admiração e respeito que existe pelos heróis nacionais sendo o General José de San Martin um dos maiores. O cruze dos Andes a cavalo e mula com seus soldados para libertar Chile e Peru foi um epopeia digna de ficar registrada num imponente monumento na cidade que ele amou.

A viagem até o mirador do Aconcágua já nos 3.000 metros de altitude, foi também uma bela experiência porque mostrou a imponência dos Andes, os matizes dados pelo minério às pedras que formam as montanhas, o silencio e o efeito da altura, o ar rarefeito, o frio, a neve, a natureza pura e limpa. Curioso saber que por menos de quarenta metros o Aconcagua não atinge a altitude de 7.000.

Confesso que tinha saudade destas sensações. Foi reconfortante voltar.

Após termos entendido as características desta região, concentramos nossas atenções nas vistas às cantinas programadas.

Todos os que me conhecem sabem que na minha longa passagem pela De Lantier, de 1973 a 2004, tive o privilegio de participar de todas as fases de evolução da enologia gaúcha.

A De Lantier foi a primeira cantina a incorporar o aço inoxidável na elaboração de vinhos brancos e a pioneira no uso de barricas de carvalho francês de 225 litros na maturação de vinhos tintos, lá pelos fins da década de setenta.

Por isso jamais poderia ser um crítico do uso destas ferramentas.

Mas o que me incomoda um pouco é comprovar que as cantinas modernas fazem uso do inoxidável e da barrica indiscriminadamente, afirmam que são a base da qualidade, esquecendo outros fatores como por exemplo a maturação e o envelhecimento lento e prolongado.

Por isso e para mostrar a meus companheiros de viagem que há outras formas de elaborar vinhos, escolhi cantinas que a meu ver conservam a “velha forma de elaborar vinhos tintos”.

Nela predomina a madeira, nobre, de carvalho sim, mas de maior tamanho para dar ao vinho o devido tempo para maturar de forma lenta e gradual.

Estas cantinas que visitamos colocam no mercado vinhos de pelo menos cinco anos, os aguardam e guardam, os afinam, os bem-tratam durante repetidos invernos.

E o resultado é totalmente diferente, encantador, mágico, digno do potencial que a terra e clima de Mendoza oferecem.

Com esses critérios escolhi as cantinas a visitar: Carmelo Patti, Norton, Cavas de Weirnet e Lopez.

Na próxima postagem relato as visitas e o destaque de cada um dos estabelecimentos.