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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Comentários sobre o Decreto 8.198 de 20.02.2014


Apesar de toda a expectativa que se criou em torno do novo Decreto, este não traz quase nenhuma novidade salvo algumas relativas à chaptalização e a nomenclatura dos vinhos e espumantes.

Chaptalização: O termo chaptalização deriva de Jean-Antoine Chaptal, brilhante químico francês que escreveu no século XIX um tratado sobre como conduzir as vinhas e que foi nomeado Ministro do Interior por Napoleão.

Ele desenvolveu e autorizou o uso de açúcar exógeno (não de uva) para aumentar o teor alcoólico dos vinhos na França contribuindo, em especial na região de Champagne, para que os vinhos ganhassem maciez e harmonia.
A chaptalização é uma prática proibida na maior parte dos países, inclusive em boa parte da França, e no Brasil e Uruguai são permitidas.

A legislação antiga determinava que todos os vinhos, de mesa ou finos, podiam ter correção do teor de álcool através do uso de açúcar exógena (geralmente sacarose), álcool vínico ou mosto concentrado até o limite máximo de 3%.
Ou seja num vinho de 11% de álcool em volume, 8% podiam ser originários da uva da própria uva e 3% de açúcar de cana.

O novo Decreto estabelece novas regras:

Nos vinhos de uvas europeias, chamados também finos, poderá se acrescentar até 2% durante os próximos 4 anos ao fim dos quais se permitirá somente 1%.

Nos vinhos de uvas americanas, chamados também de comuns, se mantêm os 3% durante 4 anos e posteriormente se reduz pra 2%.

Não entro no mérito dos vinhos comuns onde a produtividade é alta mas me pergunto porque para os vinhos finos não acabaram com a chaptalização?.
Será que um por cento vai fazer falta?

Sempre afirmei que o problema não são as 17 gramas por litro de açúcar que se adicionam que pouco modificam o vinho mas sim a possibilidade de utilizar uvas não totalmente maduras.

O setor novamente se amedrontou.
Novamente adiou, talvez para quando seja tarde, a busca incessante da qualidade superior através da matéria prima adequada, sã, fresca e madura.
Se tivessem proibido a chaptalização seria necessário buscar maior maturação diminuindo a produtividade por pé, melhores sistemas de condução, menos adubos, menos venenos.
É uma pena!

O Decreto definiu ou tentou definir, alguns conceitos que não se aplicam ao vinho.
Um deles é prazo de validade que foi definido assim:

Prazo de validade é o tempo em que os vinhos e os derivados da uva e do vinho mantêm suas propriedades, em condições adequadas de acondicionamento, armazenagem e utilização ou consumo.

Entendeu? Eu não.

Que significa manter suas propriedades? Manter os padrões de qualidade estabelecidos por lei em relação a graduação alcoólica, acidez total, volátil, etc?

O conceito de prazo de validade surgiu com o Código de Defesa de Consumidor para ser aplicado a produtos perecíveis, em especial alimentos, que devem ser consumidos num prazo dentro do qual são considerados “aptos” porque não sofreram alterações.

É muito justo que haja um controle sobre estes alimentos, uma questão de saúde pública. Mas o vinho?

O vinho tem dois destinos, caso não seja consumido que é o destino mais nobre. Se mal conservado, em pouco ou razoável tempo, será vinagre. Não fara mal algum, ao contrário, mas acabará na salada.

Se o vinho é bem conservado, cuidado que noventa por cento das pessoas tem, ele ficará maduro, velho, mais velho, excessivamente velho. Manterá sua composição química inalterada mas para alguns será um ancião ultrapassado e para outros o elixir dos deuses.
O cuidado na conservação será proporcional aos anos durante os quais se quer guardar.
Para vinhos de 3 ou 4 anos, basta sombra e água fresca.

Como as cantinas tem de cumprir as determinações do Código do Consumidor, o Decreto decidiu oficializar a besteira e inclui este conceito.

Que fazem as cantinas? Colocam prazo indeterminado, que é o mais lógico, porque não dá para fixar, ou colocam uma frase que acho um insulto à inteligência dos consumidores:

Validade: até a abertura da garrafa sempre que conservada em temperatura.....

Ou seja, abriu, dançou, perdeu validade. Se abra perde a validade, se não abre não perde mas não bebe. Que fazer????

Em outra postagem comento outros itens.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Vinhos com expressão

Não existe nenhuma bebida capaz de expressar-se como o vinho.
A influência da matéria prima é tão grande que as condições de clima e solo são predominantes nas suas características. Esta “dádiva” é a que torna o vinho de cada variedade, de cada região, único e particular.
Através da uva o vinho se expressa, tem rosto, identificação, DNA.

Nas mãos de enólogos que simplesmente conduzem o fenômeno natural da transformação do suco da uva em vinho, a forma de expressar-se do Cabernet Sauvignon, por exemplo, é através de vinhos robustos, potentes, ariscos, dignos de serem domados por especialistas.

Se o solo é pobre e o clima com boa amplitude térmica e moderadas chuvas, ele, de tão intenso, “pedira” calma, exigirá maturação lenta, de ser possível em madeira nobre como o carvalho. Na barrica sofrerá a polimerização dos taninos que ficarão mais macios, amáveis e incorporará naturalmente os sabores e aromas da madeira. Ao sair da maturação será necessário o merecido repouso na garrafa onde a madeira perderá importância e ganhará maciez, complexidade e elegância.

Se o solo é rico e o clima úmido, o mesmo Cabernet se expressará através de vinhos mais magros e duros, algo herbáceos e difíceis de domar, selvagens pelo resto da vida.

O primeiro é bom o segundo ruim?.
Não, simplesmente diferentes.
Diferenças que valorizam o maravilhoso mundo do vinho.

Estas diferenças dadas entre as mesmas variedades pelo clima e solo existem entre as castas. Com a uva Pinot se elabora um tipo de vinho, diferente do Gamay, do Merlot, do Bonarda, do Malbec, do Tempranillo, etc,etc.

Permitir que a uva e o terroir se expressem nada mais é do que criar condições adequadas para que não haja interferências que impeçam ou alterem o curso natural da transformação destes, no vinho que os represente.

Por isso e enólogo tem de ser um hábil e sensível condutor que saiba tirar todo o potencial aplicando a técnica adequada para cada ocasião.

Já nas mãos de enólogos “progressistas” que gostam de maquiar, retocar, alterar e padronizar seus vinhos, a matéria prima passa a desempenhar um papel secundário.
A macies se ganha com aditivos, o tempo de maturação se ganha através da micro-oxigenação com a ajuda de aparelhos, o toque de carvalho se consegue com a adição durante a elaboração ou posteriormente de lascas de carvalho ou maravalha que impregnam o vinho com aromas e sabores de baunilha e chocolate. Contrariamente aos vinhos com expressão, estes são sempre iguais, padronizados, “perfeitos”, docinhos, adoráveis.

Os enólogos que elaboram seus vinhos sem artifícios são verdadeiros artistas, usam toda a sua sensibilidade e bom gosto ao serviço de sua criatura.
Aproveitam o potencial das uvas para produzir vinhos que nascem sadios, formam seu caráter durante a maturação lenta e envelhecem com dignidade desafiando o tempo com valentia.

Já os enólogos intervencionistas são verdadeiros cirurgiões plásticos, tiram daqui, colocam lá, adicionam recheios e “fabricam” vinhos aparentemente perfeitos, mas que não passam pela análise criteriosa do enófilo menos experiente.

Como acreditar que um vinho Cabernet Sauvignon ou Malbec ou Tannat chileno, argentino, brasileiro ou jamaicano da safra 2013 passou “longos meses maturando em barricas de carvalho francês de 225 litros”?
Como acreditar nisso se o vinho, ainda uma criança, apresenta-se tão dócil (quase doce) e agradável.
Por aí passou certamente um bisturi.

Você deve beber os vinhos que gosta mas não esqueça de procurar o detalhe que diferencia uns dos outros.

Ao procurar o detalhe achará o vinho da variedade ou da região com o qual se identifica.

E garanto que descobrirá quanto é gostoso garimpar constantemente na procura da nova experiência, do novo sabor, da nova sensação.