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sábado, 30 de setembro de 2017

Cantinas frias, vinhos sem alma



Em recente visita a Mendoza com uns amigos, tive de adquirir vinhos para um churrasco ao qual fomos convidados. Fomos ao Carrefour por entendermos que acharíamos uma boa variedade, o que facilitaria a compra.

Procurávamos vinhos Malbec de pelo menos dois ou três anos. Ficamos estarrecidos já que 80% da oferta era de vinhos de 2017, com menos de seis meses de vida. Perdidas na multidão achamos algumas garrafas de vinhos 2015 e 2016 mas por curiosidade levamos um 2017.

Tratava-se de um vinho leve ao extremo, sem aromas, sem sabor, sem alma. Alguns produtores, descaradamente, assassinam a variedade mais representativa de Mendoza, oferecendo, na procura do retorno fácil do investimento, um suco/vinho sem graça.

Na minha opinião, com essa atitude de desrespeito ao consumidor e à enologia clássica, cavam sua própria fossa.

Andando pelas regiões produtoras e visitando algumas vinícolas novas comecei a entender o porque desta situação.
Vi cantinas onde sobra cimento e falta madeira, sobra granito e falta chão batido, sobram luzes decorativas e falta semiescuridão, sobra aço inoxidável e barricas e faltam toneis antigos de carvalho. Falta alma, sentimento, paixão, paciência.

E os vinhos são reflexo disso.

Sei que os turistas adquirem vinhos em lojas especializadas onde pagam caro por vinhos mais maturados, mais dignos, mas é inegável que a queda de consumo na Argentina continuará.

O vinho para consumo caseiro, disponível em preço e oferta, deve ter um mínimo de caráter, estrutura, personalidade para atrair a juventude que caminha para outras bebidas.

Tenho uma profunda saudade da “velha enologia”, da praticada por Raul de la Mota com o qual tive o privilegio de trabalhar na Bodega Arizu. Nesta bodega todos os vinhos tintos eram estacionados em toneis de diferentes tamanhos, medios e grandes, de carvalho da Eslovênia, de muito uso. Passavam pelo menos dois anos antes de serem liberados ao consumo. Saiam adequadamente maturados, macios, saborosos, soberbos.

Felizmente existem pessoas e empresas que mantem viva esta filosofia de trabalho. Posso citar alguns como Angel Mendoza meu colega de Don Bosco, Carmelo Patti com seus vinhos únicos, a Bodega Cave Weinert feita pelo brasileiro Bernardo Weinert com a ajuda magnífica de Don Raul de la Mota, a Bodega Lopez que é uma das mais tradicionais e respeitadas vinícolas mendocinas e outros.

Nesta enologia como falei acima, a madeira cumpre um papel fundamental na elaboração de vinhos tintos, em especial os de guarda. Hoje, nas cantinas novas, a madeira se restringe às barricas de 225 litros, de carvalho francês ou americano, novas.

Parece não existir outras alternativas que não sejam recipientes de grande volume em inoxidável ou barricas.

Na “fabricação” de vinhos de consumo rápido ou de menor preço vale a utilização de chips, micro oxigenação mecânica, gomas, taninos e outras cositas mais.

Antes, a madeira de grande volume cumpria a função de maturar lentamente os vinhos sem aportar aromas e gostos acentuados de carvalho.
O tempo era o maior aliado.
Hoje, o tempo é inimigo do resultado financeiro, do retorno do capital investido.

Espero que possamos voltar um pouco aos velhos tempos, que os investidores entendam que na vitivinicultura o retorno financeiro chegará lentamente, na forma de magníficos vinhos, de muita paixão, de muito orgulho, de muitas garrafas compartidas, de muitos momentos únicos, inesquecíveis.

Que saibam que neste tipo de empreendimento, a pressa sim é inimiga da perfeição.