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domingo, 14 de junho de 2020

De novo? NÃO....





Sei que esta postagem vai resultar em reações do tipo "ele é argentino por isso fala assim", "deve ter algum importador por tras disso", "o Lona sempre polemizando" etc. etc.

Sou argentino sim mas trabalho no setor da uva e do vinho desde 5 de janeiro de 1973 e desde que cheguei estive comprometido com o passado, presente e futuro dese setor que tanto luta, tanto faz e que tão desprotegido está por suas lideranças.

Passei 31 anos na Vinicola De Lantier em Garibaldi onde fomos pioneiros de muitas mudanças nas áreas da viticultura e da enologia procurando incesantemente a qualidade superior, e desde 2004 sou um micro-empresário vinícola produzindo espumantes.

Acho que já demonstrei em diversas ocasiões meu comprometimento e agora, quando por segunda vez (a primeira foi em 2012) algumas mentes iluminadas que conheço de loga data pedem proteção e aumento de impostos para os vinhos importados, não ficarei calado. Como nunca fiquei.

Transcrevo abaixo a parte que interessa do documento enviado no dia 28 de maio de 2020 pelas entidades UVIBRA, AGAVI e FECOVINHO ao Ministro da Cidadania Sr. Onix Lorenzoni. O resto do documento são justificativas para o pedido.

Em 2012, quando as mesmas lideranças fizeram um pedido semelhantes a reação do mercado foi ferozmente contra e a imagem do VINHO BRASILEIRO foi muito danificada. As perdas foram enormes em especial para os pequenos produtores que como forma de criar imagem de seus produtos, focavam suas vendas a bares e restaurantes.

Neste momento tão delicado que o brasileiro passa, colocar barreiras e aumentar impostos dos vinhos importados para impedir a livre comercialização dos mesmos, parece uma bofetada. Nada mais inadequado.

Sempre defendi e continuarei defendendo, que o vinho precisa de MAIS CONSUMIDORES, precisa "alargar o mercado", ganhar adeptos, juventude, apreciadores de outras bebida, etc. O crescimento de volume nas ultima décadas foi orgânico, por aumento de população. Continuamos com menos de 2 litros anuais por pessoa dos quais menos de 1 garrafa é vinho fino. E no caso dos vinhos, a cada 10 consumidos, 9 são importados.

Precisamos DIVULGAR, PROMOCIONAR, PUBLICITAR o vinho como INSTITUIÇÃO, seja da origem que for, de forma contundente, permanente, inteligente.

Vamos ao pedido e minhas observações:


Demandas do setor:

Considerando a explanação anterior onde, de forma sucinta, com a pretensão de destacar os pontos contundentes no que tange uma melhor condição de competitividade do produto nacional diante dos importados e principalmente garantir a sobrevivência do setor com um todo, apresentamos as seguintes demandas:

1. Manutenção de uma alíquota fixa do imposto de importação no patamar de 27% tanto para vinhos quanto espumantes estrangeiros, principalmente para os produtos oriundos do Chile que possuem desgravação total sem fazer parte do Mercosul, por pelo menos, 5 anos.


“Principalmente oriundos do Chile”, seria uma alíquota seletiva? O valor solicitado resulta de qual cálculo?
Isto é aumentar os impostos dos vinhos importados, as VELHAS SALVAGUARDAS.
Isto é contrário aos princípios que regem o Mercosul.
A alíquota zero dos vinhos chilenos resulta de um ACORDO BILATERAL entre os dois países, que é muito favorável ao Brasil.
Os números de 2019:
Exportações para o Chile: R$ 5,162 BI ocupando o 6º lugar
Importações do Chile: R$ 3,176 BI ocupando o 13º lugar
Saldo Balança comercial: + 1,986 BI
Exportações: Petróleo, carne, chassis, carros, ônibus, tratores
Importações: Cobre, vinhos
Fonte: FazComex 2019 – COMEXVIS


2. Criação de um mecanismo de controle de importações, mediante aprovação prévia das licenças de importação, como forma de criar barreiras não tarifárias para ingressos dos vinhos importados (vinhos e espumantes) por pelo menos 5 anos.



Seria uma repartição pública chamada “Passa x não passa”?
Qualquer “mecanismo” criado não poderá impedir a entrada de produtos que atendam os requisitos legais. Quais seriam as barreiras não tarifárias? Não liberar as guias sob qualquer pretexto?

3. Proibir o ingresso de vinhos e espumantes que não atendam os estritos termos da lei brasileira de vinhos no que tange aos PIQ’s estabelecidos. Veja-se a possibilidade legal existente para os vinhos chilenos na sua legislação interna que permite o uso de água, que é proibido no Brasil.


Isto não está previsto no Regulamento Vitivinícola do Mercosul nem na lei brasileira por isso não poderiam entrar.
Se há dúvidas que entram vinhos chilenos “aguados” basta exigir das autoridades do Chile que um organismo credenciado para isso, declare que o vinho não foi “batizado”. Além disso o Brasil pode analisar as amostras dos lotes solicitados para importar através dos isótopos de hidrogênio e determinar a origem da água que o compõe. É bom lembrar que conforme a graduação alcoólica, a quantidade de água natural que um vinho tem é de 86-87% em volume.

4. Correção da legislação brasileira, que por suas falhas permite tudo aos importados e restringe quase tudo aos vinhos brasileiros. Por exemplo, para os espumantes brasileiros o índice de cloretos admitidos é de 0,20 mg/l, enquanto que, para os provenientes do Mercosul, o índice é de 1,0 mg/l.


Esta solicitação deveria ser pleiteada junto ao MARA já que cabe a ele esclarecer este tema técnico..
O Regulamento Vitivinícola do Mercosul de 1996 que foi internalizado no Brasil posteriormente, estabelece efetivamente um máximo de cloretos de 1,0 gr/l não impedindo qualquer país membro a ser mais restritivo. A justificativa é que Argentina permite 1,0 gr/l devido à salinidade das águas de irrigação.
Porém a IN-14 de 8 de fevereiro de 2018 do Brasil estabelece (mantêm) o máximo de 0,20 gr/l para vinhos e espumantes, NACIONAIS OU IMPORTADOS.
Basta saber agora o que vale, o que estabelece o Regulamento ou a lei interna brasileira e aplica-lo?

5. Subvenção econômica para equiparação de custos de matéria prima. Concessão de subsídio para equalização dos preços da matéria prima comparativamente aos produtos que o Brasil importa a partir da apuração entre a diferença do custo de produção da uva, apurado pela CONAB, tanto para viníferas como para uvas híbridas e americanas, com o custo de produção da uva dos produtos importados em larga escala. A apuração destes valores poderá ser feita a partir da matriz de custos de produção aplicados sobre o preço dos produtos importados, disponibilizados pelo sistema ComexStat do MDIC. Reforçamos que o setor não recomenda a exclusão da política de preços mínimos definida pela CONAB, mas sim uma garantia de equiparação de custos com os produtos importados.


O setor vitícola (diga-se Sindicatos Rurais) sempre defendeu o fato de que a uva permaneça nesta Política como forma de garantir preços “decentes” já que nunca houve a tentativa de negociar os preços. E o setor não tem nenhuma política de preços que estimule e produção uvas de qualidade. Essa é a verdade.

Agora não recomendam o fim da Política de Preços Mínimos da CONAB mas na página 3 do documento apresentado argumentam que os preços das uvas são altos porque é a própria CONAB que os estabelece.
Que tem a ver o Governo com os custos internos da matéria prima? Quando há quebra de safra algumas vinícolas pegam preços absurdos por uva verde e de baixa qualidade e quando há excedentes pagam mal ou não recebem.


6. Equiparação em termos de subsídios agrícolas com o regulamento (EU) N.O 1308/2013 e praticado pela comunidade europeia no que tange a seguro agrícola, colheita em verde, destilação de excedentes de estoques (complementado pelo Regulamento (CE) Nº 762/2005) entre outros pontos.


Não conheço mas no Brasil há seguro agríçola.

7. Regularização e implementação do PROJETO DE LEI – FUNDO MODERVITIS E CONSELHO NACIONAL
MODERVITIS que institui o Fundo de Modernização do Setor Vitivinícola Brasileiro – Fundo Modervitis, Conselho Nacional Modervitis e dá outras providencias garantindo a inclusão das NCMs 2204 10 90, 2204 10 10 e 2204 21 00. Seria uma forma de dar competitividade ao produto brasileiro, de acordo ao prometido por órgãos do Governo na fase que precedeu a composição de acordo do MERCOSUL X UNIÃO EUROPEIA, cujo fluxo seguiria o abaixo exposto, para melhor compreensão.



O setor e em especial algumas entidades, sempre ignoraram e criticaram o IBRAVIN – Instituto Brasileiro do Vinho que foi uma iniciativa excepcional e que tinha como recursos (os últimos de aproximadamente 14M de reais por ano) dinheiro proveniente de uma renúncia fiscal do Governo do RS. O IBRAVIN foi mal administrado e teve alguns desvios de finalidade. No lugar de corrigir o que estava errado e redireciona-lo para seu devido fim que era promover o vinho brasileiro, decidiram acabar com ele e pleitear os recursos. Esta iniciativa parece ter dado errado e agora solicitam criar outro mecanismo de obter recursos.
Preiteiam um fundo proveniente de uma renúncia fiscal” do Governo, sem participação direta do setor que se for concedida (me desculpem duvidar) resultará num valor alto.
Pergunto: Quem administraria?
Quem decidiria o destino dos recursos?
No quadro apresentado chamado SISTEMA DE DEFESA OPERACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS consta que o Crédito Presumido de Impostos incidente sobre a comercialização de vinhos importados e nacionais seria destinado para aumentar a competitividade e auxiliar investimentos nas cantinas do Brasil e na criação de um fundo para desenvolvimento e valorização do produto nacional. Por último, se algo sobra, na divulgação da cultura do consumo, vinho alimento, etc.
Fica a clara impressão que pedem que o Governo renuncie a impostos para salvar o setor.
O setor precisa ser ajudado não há a menor dúvida porque é um tipo de negócio de muito esforço financeiro, físico, dedicação e de retorno lento.
Acho mais prático e benéfico para todos, grandes, médios e pequenos produtores, que o Governo:
a. Reduza o IPI do vinho e dos espumantes para 5% ou volte ao sistema de IPI fixo.
b. Retire o vinho e os espumantes de todo ou qualquer regime de ST.
c. Crie um Fundo via BNDES para:
i. Capital de Giro
ii. Investimento em viticultura que tem retorno lento
iii. Investimento em estoques que demoram em girar
Mas que seja acessível a todos, sem burocracia, com garantais reais, ou comerciais.
d. Crie um FUNDO exclusivo para divulgação institucional do vinho que formará parte do PLANO DE DIVULGAÇÃO DA CULTURA DA UVA E DO VINHO no qual participarão com recursos equivalentes os principais países ou seus organismos representativos que exportam para o mercado brasileiro. Este FUNDO pode ser administrado pelas entidades PROVINHO (Brasil) – PROCHILE – PROARGENTINA e outras da Itália, Espanha, Portugal e França.


10 comentários:

Unknown disse...

Muito boa análise, Mestre Adolfo. Estou estudando bem este tema para nossa Associação de Vinhos de Altitude de Santa Catarina se manifestar sobre o assunto. Abraço!

Álvaro Cézar Galvão disse...

Como sempre, uma equilibrada e acertiva opinião. Gol de mestre!

Adolfo Lona disse...

Obrigado caros amigos, acho interessante as entidades manifestarem sua opinião já que a minha sozinha, não representando nenhuma delas, perde valor. Abraço

Unknown disse...

Como já dito, análise precisa e de bom senso, o que falta a alguns dirigentes do setor.

José Antonio de Rezende disse...

Parabéns Sr Adolfo Lona, como sempre, fala com propriedade, diferente de muitos "diretores" de diversos setores, que tomam decisões sem considerar quem realmente interessa: - o consumidor. Pois, é ele o quem, de fato, fará o sucesso das decisões tomadas. No entanto, esses burocratas visam única e exclusivamente aumentar seus ganhos. As mudanças devem ser benéficas todos, e não apenas para um lado...

Germán Alarcón-Martín disse...

ADOLFO, e especialmente também para essa primeira intervenção acima, que aparece como “Desconhecido” não tendo indicado o nome, mas me parecendo de algum produtor de São Joaquim, a se referir a Associação de Produtores “Vinho de Altitude”. De repente é o seu Presidente, que pelo que tenho entendido atualmente é o JOSÉ EDUARDO PIOLI BASSETTI, da vinícola Villaggio Bassetti em São Joaquim.

Já fiz este mesmo comentário no FB do Lona, mas destaco na matéria:

“....Em 2012, quando as mesmas lideranças fizeram um pedido semelhantes a reação do mercado foi ferozmente contra e a imagem do VINHO BRASILEIRO foi muito danificada.....”

Não é certamente o mais importante, mas sim para ilustrar uma situação nesse ano.

Adolfo, você lembrará que naquela época o “Encontro do Fórum Enológico da Academia do Vinho”, o chamado “Vamos a Montanha de...” estava marcado para ser, finalmente, após 12 anos do mesmo, nas Montanhas das Serras Gaúchas. Seria para ser 3 anos seguidos (2012, 2013 e 2014) após as trilogias prévias de Ouro Preto, Itaipava, Tiradentes e Campos do Jordão.
Você, Paulo Mazeron e Maria Amélia eram do Comité Organizador!

Irá lembrar também a mal sabor de boca e geral descontento com este assunto, gerando até atritos entre colegas, confrades e produtores. Tanto que foi cancelado, e a partir daquele ano os Encontros passaram a ser bianuais e foi para Natal, se chamando de “Vamos a Praia”
Finalmente, ultrapassada aquela questão, foi realizado em Garibaldi no 2016 e 2017 liderado por Maria Amélia onde te formos visitar numa das atividades do Encontro.
E este ano, já no XXI Edição do Encontro, como no próximo, será em São Joaquim, SC, região produtora de vinhos.
Confio, que como aconteceu naquele 2012, não impacte na realização do Encontro.
Mas é para ilustrar aqui quanta razão vc tem ao mencionar essa questão de como foi recebido de negativo ao ponto de inviabilizar um encontro porque não havia clima para ser realizado, sendo que é um Encontro que teria que ser um convívio amical e de interrelação com os produtores locais.
Fez realmente muito mal!
Germán Alarcón-Martín

Eduardo Torres disse...

Disse tudo, Mestre Lona. De novo essas organizações dao um tiro no pé, como o Ibravin deu em 2012. Barreiras nao sao a solução pra aumentar o share do vinho nacional no consumo total. Alias, falar em barreiras de importação num pais que consome menos de meio litro de vinho fino per capita por ano é até patetico.
Eduardo Torres

Agilson Gavioli disse...

Caro Mestre, sempre uma voz lúcida no meio dessa pandemia do vinho.
Fortalecer o mercado, com preços mais justos independente se importados ou nacionais seria o melhor serviço a ser pleiteado. Aliás,mesmo com o nosso ridículo consumo per capita, o Brasil não produziria o que o mercado consome, então os importados são importantes pra fazer crescer o consumo.
Triste repetição que não representa o mercado. Parabéns pela firme postura.E juntos nessa! 👏👏👏👏👏🥂

Unknown disse...

Lona, perfeito! Parabéns pela sabedoria!

Felipe disse...

Obrigado Sr Lona por compartilhar conosco seu conhecimento. Para ser salvo e lido de tempos em tempos.