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terça-feira, 2 de abril de 2013

A Serra Gaúcha que eu conheci 5



A procura da madeira nobre

Quando começamos a idealizar o Baron de Lantier Cabernet Sauvignon em inicios da década de oitenta, quando as primeiras mudas certificadas originárias da França mostraram boa adaptação e a produção mostrou que haveria futuro, aceitamos o desafio que essa variedade nos propunha: obter um vinho de guarda, daqueles que desafiam o tempo, dignos do ditado “quanto mais velho, melhor”.

Para logra-lo definimos o seguinte esquema de elaboração:
1. Matéria prima com perfeita sanidade, boa maturação fenólica que permita dispor de taninos maduros e amáveis. Esta é uma condição básica sem a qual todas as outras etapas não teriam o resultado desejado.
2. Transporte e descarga controlados (com dia e horário marcados).
3. Utilização de desengaçadeira (retira o cabinho da uva) que tratassem com carinho os grãos. Importamos da marca Impala de origem sul-africana.
4. Macerações longas com remontagens que possibilitassem a boa homogeneização e total extração da cor sem ferir as cascas.
5. Controle rigoroso da extração dos componentes fenólicos através do uso da espectrofotometria.
6. Rigoroso controle da fermentação maloláctica.
7. Conservação em reservatórios de inoxidável até após o inverno.
8. Maturação em barricas de carvalho para permitir a polimerização dos taninos e ganho de maciez, estabilidade e estrutura.
9. Envelhecimento em garrafa.

Como no Brasil não existia boa madeira nem experiência no uso de madeiras nobres, a solução foi viajar para conhecer os diferentes tipos de barricas utilizados no mundo.

Sabíamos que devíamos adquirir barricas bordelezas (de 225 litros) de carvalho. Mas qual carvalho seria o mais indicado para os vinhos gaúchos entre os tipos Limousine, Never, Allier e Vosges, todos de florestas diferentes com maior ou menor porosidade?

Graças a interferência da Martini e Rossi internacional pudemos visitar Rioja, na Espanha, onde o uso de barricas é obrigatório e uma tradição nos vinhos deste famosa e rica região. As barricas são de carvalho americano e como não poderia deixar de ser, foi este o tipo que nos recomendaram. O custo em relação às barricas francesas era pelo menos 40% menor, o que não deixava de ser um atrativo. Estivemos na pequena cidade de El Ciego na cantina da Domecq onde produziam o Marqués de Arienzo. Dispunham de algo mais de 3.000 barricas nas quais os vinhos permaneciam até 3 anos.

A segunda região foi Barolo na Itália onde visitamos a cantina do Pío Césare, um dos melhores vinhos desta renomada região de vinhos tintos. O enólogo era cunhado de nosso companheiro Leopoldo Cane, um colega italiano que nos possibilitou esta visita. Ali nos recomendaram as barricas de carvalho jugoslavo da qual dispunham em torno de 1.000.

A terceira e última visita foi a Bordeaux, na França, onde o uso do carvalho faz parte das exigências de todos os regulamentos de suas regiões. Nesta visita tive o privilegio de conhecer uma pessoa que influenciaria demais na minha forma de ver a enologia: Paul Pontallier, diretor técnico do Château Margaux. Nos recebeu com a simplicidade que o caracterizava, informamos o motivo de nossa viagem e nos mostrou os vinhedos, a cantina e a cave onde repousava em milhares de barricas novas de carvalho francês o famosíssimo Château Margaux que saboreamos recém retirado de uma delas.

Paul nos recomendou um tanoeiro de Margaux e diferentemente dos outros manifestou sua dúvida em relação ao tipo de carvalho adequado para os vinhos brasileiros. Foi muito didático ao explicar-me que conforme a estrutura do vinho seria a escolha do tipo mais ou menos poroso do carvalho. O tipo Limousine é muito aberto e por isso ideal para utilizar em destilados como cognac e o tipo Vosges muito fechado e utilizado para vinhos brancos, em especial os base espumantes. Comecei a imaginar que nossa escolha recairia sobre Never e Allier de granulometria media.

Mantive contato com Paul durante os anos seguintes e foi nosso convidado quando lançamos o Baron de Lantier Cabernet Sauvignon 1985 em 1988. Posteriormente foi visitante assíduo no Brasil porque foi convidado por diferentes entidades. Num dos Simpósio de Enologia ao qual foi convidado provocou a desilusão de alguns ingênuos que esperavam a formula mágica para fazer bons vinhos tintos. Foi simples e claro: com boa uva, sem manuseios, com madeira de qualidade e paciência a possibilidade de lograr vinhos tintos de qualidade superior era elevada. Nada mais, o resto ficava por conta do enólogo, de sua dedicação e de sua sensibilidade.

Ao visitarmos o tanoeiro fiquei surpreso ao descobrir que não era suficiente escolher tamanho e floresta, era necessário decidir pela compra de barricas com duelas serradas ou abertas com cunha. Por ser uma madeira extremamente porosa, se há uma comunicação entre a parte externa e interna da mesma por conta dos vasos por onde circula a seiva, as chances de vazamento de vinho eram elevadas. Se a abertura da madeira para a formação das duelas é por uso de cunha, a madeira abre nas nervuras sem o corte do vaso comunicante o que impede totalmente o vazamento. A diferença? Trinta por cento a mais no preço.

Antes as dúvidas em relação ao carvalho mais indicado, decidimos importar 50 barricas de carvalho americano e 50 de carvalho francês. Após um ano de testes decidimos pelas francesas com duelas por cunha devido aos resultados em estanqueidade, estrutura e elegância dos vinhos.

Terminava assim uma das etapas mais importantes que foi introduzir no Brasil as barricas bordelezas de 225 litros. O resto ficava por conta de nossa capacidade em lograr um vinho digno delas.

E o resultado obtido no primeiro Baron de Lantier Cabernet Sauvignon lançado no mercado em 1988 comprovou que era possível elaborar este tipo de vinho com uvas da Serra Gaúcha.

4 comentários:

Jane disse...

Um belo resgate!!!
:)

Adolfo Lona disse...

Jane: Obrigado pela leitura e a mensagem.

ana disse...

Parabéns pela blog e pela obra!
Minha iniciação no mundo do vinho, na década de 1990, foi com vinhos gaúchos, em especial o Baron de Lantier, e fico muito feliz em conhecer mais a sua história. Espero um dia ter a oportunidade de prová-lo novamente, para conferir a sua evolução!
Abraço.

Adolfo Lona disse...

Caro aaa: O Baron de Lantier deixou de ser produzido quando a Bacardi vendeu suas instalações um ano após minha saída. Agora só na memória!!
Grande abraço