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quarta-feira, 4 de julho de 2012

Intervencionismo

Por curiosidade e razões profissionais estive visitando algumas cantinas recentemente no Brasil e na Argentina e confesso que fiquei algo decepcionado pelo nível de “intervencionismo” que existe em boa parte delas.

Parece que os tempos da enologia natural, quando a elaboração dos vinhos se resumia à escolha da uva e acompanhamento do processo natural da fermentação e as operações específicas da elaboração em brancos ou em tintos, acabaram ou ficaram restritos a poucas cantinas.

A missão do enólogo era, e defendo que continua sendo, deixar a uva se expressar, mostrar sua peculiaridade, sua espontaneidade, seu caráter. Os vinhos tintos elaborados de forma simples são saborosos, tem personalidade, são únicos.

O uso de auxiliares que tem como efeito amaciar, arredondar, aromatizar, em fim, mascarar, acabam deixando todos os vinhos parecidos, as vezes iguais.
Recordo a frase de um querido amigo quando ouvia o martelo amaciando a carne: “Estão aminhonando o alcatra”. O martelo sobre o vinho não é legal.

O uso de chips, a meu ver a maior praga da enologia moderna, parece resolver tudo e é usado de forma indiscriminada.

É justificável usar este “ingrediente” na elaboração de vinhos da uva Malbec, sadia, madura, perfeita para conseguir maravilhosos e saborosos produtos jovens ou de guarda em Mendoza?

Ao perguntar estranhado o porquê desta técnica ouvi a justificativa de que serve para “fixar a cor dos vinhos”. Será que esta uva, que atinge magníficos índices de maturação, está livre de chuvas predatórias e de doenças fúngicas, precisa ser assassinada desta forma?

O pior é que este tipo de iniciativa geralmente parte de consultores internacionais que não querem nem podem correr o risco de “errar”. Então partem para a padronização, para o estilo refrigerante onde cor, aroma e sabor tem de ser sempre exatamente iguais. Fabricam o vinho, não o elaboram.

O consumidor de vinhos poderá perguntar: como saber se o vinho que bebo foi manuseado demais? Se for muito cheiroso, redondinho, quase adocicadinho, aposte na habilidade do químico (desculpe, enólogo) que o fabricou.

6 comentários:

Leandro Ebert disse...

Perfeito Lona,

ao ler o seu texto percebo que não estou louco em pensar igual, apesar das críticas de profissionais mais experientes que eu, os quais costumam apelar para a idade e experiência para me persuadir de que eles estão corretos e eu que sou muito purista.

Como profissional da agronomia prezo muito o valor da uva, da cultivar e da expressão desta no local em particular.

Ah, e parabéns pelo bag in box Do Forte Chardonnay 2008, o comprei no supermercado Peruzzo em Santa Maria e foi um achado.

abraço!

Flavio Vinho Bão disse...

Excelente!

Abraços,

Flavio

Kanarek Junior disse...

Caro Adolfo!

Grande ponto abordado por você. O que estamos presenciando hoje na grande maioria das vinícolas é a fabricação de vinhos para saciar uma demanda de mercado, e não vinhos com personalidade e expressão que saciam os desejos de quem realmente busca ser conquistado por vinhos com caracteriscas únicas e naturais. Vendo desta forma concordo que os vinhos estão seguindo um padrão onde as regras e limites no processo de vinificação muitas vezes são impostas por bancos e investidores que não tem amor e prazer pelo vinho, mais sim interesse econômico, portanto arriscar e deixar as uvas fazerem seu trabalho tornou-se arriscado ao seus bolsos. Como enólogo produtor no novo mundo presencio diariamente gerentes de bancos influenciando no planejamento do processo de viníficação.
Ao mesmo tempo fico feliz em saber que ainda existem produtores como você que coloca paixão em primeiro lugar e realmente fazem diferença neste ramo. Parabéns novamente por suas espumantes,a Nature pas dosé julgo entre as melhores que experimentei na vida.
Grande abraço
Kanarek Junior

Adolfo Lona disse...

Caros Leandro, Flavio Henrique e Kanarek:
Infelizmente a generosidade do mercado de vinhos facilita esta situação. Acho que todos os que respeitamos a natureza e sua forma de expressão temos de seguir em frente fazendo nosso trabalho de formiga. Aos pouquinhos vamos fazendo nossa parte. Grande abraço

Arlete Arok disse...

Seu comentário corajoso, com a autoridade que o Sr. tem, pois é profissional ético, experiente e de alto nível, é de lavar a alma!
Há anos que eu queria ler ou ouvir isso de alguém do mundo do vinho brasileiro, para que eu pudesse concluir que minhas constatações pessoais não são absurdas. Os vinhos da indústria ("tecnológicos")estão cada vez mais iguais, docinhos e redondinhos, uma mesmice de aromas. Que saudade de alguns cabernet sauvignon frescos, com uma pontinha de pimentão (hoje é "defeito"),que só se encontram em raras produções muito artesanais atualmente,mas que expressam a nossa uva, a nossa terra difícil, o nosso jeito de fazer vinho. Parabéns pela sua luta.

Adolfo Lona disse...

Prezada Arlete:
Obrigado pelas afetuosas palavras.
Provavelmente não é da sua época mas as vezes me pego lembrando da elegancia e riqueza que tinha o Cabernet Sauvignon da Chatêau Lacave de Caxias do Sul do saudoso Carrau, do Baron de Lantier, dos vinhos da Forestier, etc.
Abraço