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sábado, 24 de setembro de 2011

Pergunta de Eneo Coelho – Chips e carvalho


Caro Adolfo

Qual a diferença entre a utilização de barricas e a de chips de carvalho?


Exatamente como água e vinho...assim como a diferença de antigas e consagradas práticas enológicas com as novidades atuais.

Que acontece com o vinho durante seu estágio nas barricas?

Como já expliquei a madeira de carvalho é variavelmente porosa conforme o tipo e por conta disso o vinho sofre um processo de micro-oxigenação, lenta, gradual. Esta pequena incorporação de oxigênio provoca a polimerização dos taninos e o vinho perde adstringência. Além disso ganha tons mais alaranjados, incorpora taninos e substâncias aromáticas e gustativas da madeira. Estes vinhos se carregam de componentes que posteriormente, durante o envelhecimento na garrafa, fase fundamental para completar o processo que levará ao caminho da alta qualidade, atuarão maravilhosamente na formação do bouquet e do sabor longo, marcante, inesquecível. Esta prática de maturação em carvalho e envelhecimento na garrafa tem um inconveniente que motivou o surgimento das práticas alternativas e, agora dando minha opinião pessoal, condenáveis pela pouca transparência: o longo tempo que demandam. Pelo menos dois anos.
A enologia moderna, exigida pelos tempos e custos e com pouco compromisso com o consumidor, criou e aceitou algumas práticas que encurtam caminho e simulam os efeitos das tradicionais. O exemplo mais conhecido é o uso de chips, maravalha ou pedaços de carvalho submersos no mosto ou vinho, que outorgam um intenso aroma e sabor da madeira. Elimina-se a aquisição das “onerosas e chatas barricas”, de manuseio complicado, cuidados especiais e ainda CARAS. Não é possível comprar uma de 225 litros, de boa qualidade, por menos de u$a 700,00.
Também com o uso de chips encurta-se o tempo que passa de dois anos a alguns meses. Isto representa ganho financeiro.
Os vinhos são iguais? Absolutamente não. O tempo é um aliado fundamental na qualidade dos vinhos e não é possível substituí-lo. Os vinhos maturados em barricas são amáveis, complexos, marcantes e inesquecíveis. São os que atendem a sentencia: vinho quanto mais velho melhor.
Os de chips são “redondos, dozinhos, melosos” na primeira fase, desarmônicos e estranhos quando mais velhos.
O mais grave de tudo isto, meu caro Eneo, é a pouca transparência. Inúmeros vinhos utilizam chips e declaram em seus rótulos “maturado longamente em barricas de carvalho durante 12-18-24 meses” e a fiscalização nada faz. Este problema não é somente brasileiro já que na Argentina e Chile são muito utilizados e não são obrigados a declarar no rótulo. Que cantina seria tão ingênua de confessar, por força de legislação, que usa pedaços de carvalho para aromatizar seus vinhos tintos?
As vantagens do uso de chips sem o ônus de declarar, oferece ganhos injustos de competitividade prejudicando quem trabalha corretamente. Isto não é legal.
Ficarei feliz o dia que os organismos de controle exijam que os vinhos que passaram por chips o informem claramente em seus rótulos.
Imaginou?

“Este vinho ganhou seus aromas de carvalho através da passagem ligeira em pequenos pedaços desta madeira das melhores florestas francesas”

Um comentário:

Breno Raigorodsky disse...

Adolfo, parabéns, tomei ontem uma garrafa do seu Brut Rosé no Esquina Mocotó. Sou fã de outros rosés espumantes mundo afora, incluindo o da Felipa Pato e o Blanquette de Limoux, Bulle nº1, só para citar dois sempre presentes. O seu não deve nada a eles, parabéns, mais uma vez.
Acabo de fazer uma experiência de importação de vinhos da Beira Interior, do produtor Quinta dos Termos, uma vinícola que trabalha com métodos que respeitam a natureza e o consumidor, tanto que estão ganhando seu selo de Produtor Biológico.
Seus dois grandes vinhos passam reconhecidamente por madeira (Allier Tosta Fina de primeiro uso, por um ano) e passam dois anos em garrafa. Estes custam em preço FOB, algo em torno dos 6Euros. Um deles atende o mercado do Novo Mundo, com 100% Syrah e o outro preserva uma uva autóctone, a Rufete, surpreendentemente delicada, borgonhesa, magicamente tânica e longeva.
Os outros dois são vinhos perfumados por chip e custam 2,5E e 3,5E, sendo que o mais barato tem suas uvas colhidas pela cooperativa local, a uma concentração de 10ton. / hectar, enquanto que o segundo tem suas uvas plantadas na propriedade e são colhidas a uma concentração de 6 ton./hectare. Ambos descansam em garrafa por 6 meses.
Com tal transparência e sem nenhuma maquiagem no procedimento, senti que não há o que se envergonhar.
Práticas como a do Charmat, da microoxigenação e da indução malolática foram encorporadas definitivamente à enologia. Quem sabe o chip usado de modo claro e transparente possa também ter o seu lugar?
Afinal, o carvalho é caro pra danar!!!
Convido você a continuar esta conversa em torno desses vinhos, pois quero muito sua opinião sobre eles.