Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
sábado, 7 de outubro de 2017
Aço, barrica, tonel...segunda parte.
O tema aço inoxidável, barrica e tonel dá para muito. Volto com ele porque é atualíssimo. Farei o que estiver a meu alcance para mudar, ainda que minimamente, a predominância deste binómio. Minha experiência, que conto abaixo, e minha visão do momento atual, me obrigam a faze-lo.
Na minha longa carreira de enologia que iniciou na década de sessenta na Bodega Arizu em Mendoza, na Argentina, tive a sorte de ir aprendendo e entendendo a cada dia, a maravilhosa missão da “elaboração”. Porque os vinhos não se fabricam, se elaboram, se criam, se transformam, se modelam, se aperfeiçoam.
Em Arizu tive a privilegio de conviver com um dos mais respeitados enólogos argentinos: Don Raul de la Mota. Don Raul, como o chamávamos carinhosamente, praticava a enologia sábia, reflexiva, respeitosa, onde o tempo e a boa madeira eram aliados insuperáveis.
Os vinhos, provenientes de uvas maturadas sem exageros, sadias, frescas, repousavam durante demorados anos, em toneis de carvalho da Eslovênia de tamanhos variáveis mas não inferiores a 1.500 litros. Neles, os vinhos maturavam devagar, incorporando migalhas de oxigênio, ganhando caráter, maciez, elegância.
Mendoza teve, no inicio do Século XX, acesso a boa madeira pelas mãos de uma família de tanoeiros da Eslovênia chamada Bajda que chegou a Mendoza após a Segunda Guerra. Nessa época não se pensava em recipientes menores como as barricas, tão em uso nos dias atuais.
Na minha chegada ao Rio Grande do Sul já na década de setenta, a realidade foi outra. A madeira usada era a local, amendoim, grapia e pinho. O inoxidável era inviável pelo alto custo e a barrica impensável. Descobrimos alguns anos depois que as pipas de pinho e grapia, quando não devidamente parafinadas à quente, transmitiam gosto amargo e resinoso.
Logo depois, chegou o aço carbono revestido de tinta epóxi, a novidade da época que permitia conservar os vinhos, em especial brancos, em recipientes inertes. Era a fase da busca de brancos frutados, limpos, delicados. Foi necessário buscar algum gás inerte para manter a superfície impecável e o nitrogênio foi o escolhido. Tempo depois descobrimos que ao absorver o carbônico naturalmente presente nestes vinhos, o nitrogênio deixava os brancos meios “chatos”, planos, com poucos aromas. Veio a mistura, CO2 e N2 e o problema acabou.
Quando os preços ficaram menos pesados foi a vez da chegada do aço inoxidável, agora com cintas para refrigeração, fantásticos. Para nós enólogos empenhados em brancos saborosos era a perfeição na forma de tecnologia. Tínhamos vencido uma etapa brava.
Já nos anos oitenta, quando o objetivo era elaborar um “vinho tinto de guarda”, que desafiasse o tempo, foi inevitável pensar nos tintos de Bordeaux, robustos, maturados e envelhecidos por longos períodos.
Foi a vez da madeira mais nobre, o carvalho e no formato mais adequado, a barrica de 225 litros.
Carvalho americano ou francês? Só uma prova com 50 barricas de cada tipo importadas especialmente nos permitiu concluir que nada substituía o francês, mais intenso, refinado, delicado.
Mas de que florestas, de que granulometria, que grau de porosidade?
A decisão foi Never e Alliers, as medianamente porosas, evitando as feitas com duelas serradas, para evitar vazamentos.
A partir daí parece que o binômio aço inoxidável / barrica se transformou na fórmula mágica para elaborar vinhos tintos de qualidade.
O que quero discutir é se isso é suficiente, se é assim que se atinge qualidade superior.
Me preocupa, em especial nos novos empreendimentos nos quais o “retorno de capital” é calculado em planilhas, matematicamente, a variável TEMPO não seja considerada fundamental.
E aí volta a minha memória a importância do recipiente de madeira de maior tamanho. Porque?
A barrica é fantástica, mas pelo pequeno tamanho os vinhos que passam por ela devem depois, necessariamente, serem envelhecidos na garrafa por menos um ano. Caso contrário o aroma e sabor do carvalho abafará a tipicidade, o caráter varietal, a naturalidade do vinho.
Carvalho muito marcante cansa, satura, impregna e muitas vezes a barrica se nivela aos chips. Se não houver paciência ou capital ou vontade de envelhecer o vinho antes de comercializa-lo, é melhor evitar a barrica nova por longos períodos.
O inoxidável é fantástico, neutro, protetor, seguro, mas impede a maturação que deve ser feita, nestes casos, através de sucessivas trasfegas com as consequências que conhecemos.
Acho que, repetindo minhas palavras do inicio deste artigo, continuo aprendendo, observando e entendendo.
Seria ótimo dar mais importância à madeira de carvalho de maior volume, superior a 1 ou 2 mil litros. Guardar vinhos tintos nestes recipientes ao longo dos anos permitirá voltar um pouco aos velhos tempos onde a corrida era pela qualidade, pelo sabor cativante, convidativo, onde a casta comandava o espetáculo.
Menos álcool, menos madeira, menos fruta, mas sim UM POUCO DE TODOS.
Os Bajda ainda estão em Mendoza produzindo toneis, redondos, ovais, lindos, práticos e eficientes.
Quem sabe alguém tome a dianteira?
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4 comentários:
Amigo Lona, parabéns pelos dois artigos!!
Se me permite vou escrever um outro artigo inspirado em suas palavras.
Enquanto isso, por favor, me ajude a entender esse ponto: " evitando as feitas com duelas serradas". Qual seria o ideal?
Abraços!!!
Meu caro amigo, obrigado por seguir meu blog e participar. Sua pergunta me demonstra sua ansiedade por aprender. Parabéns!
Vou tentar explicar da maneira mais didática possível.
As duelas são pedaços de madeira de 2-3 cm de grossura por 10-15 de largura pelo cumprimento da barrica, cortadas da árvore na vertical.
Quando sao cortadas com serra pode haver um corte errado que permite que as nervuras (que são canais por onde passava a seiva e poderá passar vinho) sejam interrompidas e com isso se cria uma via de fuga do vinho. Ou seja se cria um canal que inicia na parte interna da barrica e acaba na parte externa (como uma pequena mangueirinha). Isto dará vazamento pela duela, péssimo para a atuação da mesma como recipiente confiável. As duelas certas (cujas barricas são bem mais caras) são de madeira "aberta" com cunha o que permite que as nervuras permaneçam inalteradas e com isso impossível de se transformar em canais de fuga. Não sei se fui claro. Se não me diga se fiou alguma dúvida que resolvemos. Abraço
Mestre Adolfo Lona,
Tenho notado um toque resinoso em alguns vinhos da Serra gaúcha provados recentemente.
É possível que algumas vinicolas brasileiras utilizem madeira que não Carvalho atualmente ainda?
Grato e parabéns pelas elucidativas postagens.
Caro Alexandre, obrigado pela participação.
Pode ser, em especial se utilizam pipas de madeira antigas, feitas com grafia ou pinho sem o devido uso de parafina para neutraliza-las. Atenção não confundir resinoso com herbáceo que pode ser por uva verde excessivamente macerada, ou mau uso de um anti-oxidante. Pesquisa quem produz esses vinhos, tente descobrir se usam madeira desse tipo e por fim...troque de vinho.
Abraço
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