A liberdade, que é a condição que dá ao indivíduo a capacidade de decidir por si, trás intrinsecamente o respeito aos limites, já que sem isto resultaria num caos. A educação recebida desde a infância, no lar, na escola e no convívio diário nos ensina naturalmente os limites de nosso comportamento que devemos respeitar.
Quando o significado da palavra limite é confundido com o significado da palavra tolerância, tudo fica confuso e é este o sentimento que me invade em relação à recente lei de tolerância zero ao consumo de álcool. Esta lei conseguiu magistralmente acabar com os limites. E agora?
Reduzir os acidentes provocados por pessoas alcoolizadas é um objetivo que deve ser perseguido por toda a sociedade, mas proibir totalmente o consumo de álcool parece uma penalidade excessiva para quem o faz moderadamente.
Por ser enólogo e ter o hábito de consumir um cálice de vinho durante todas as refeições me sinto duplamente infrator.
Como conciliar minha profissão onde a degustação quase diária faz parte de nossas obrigações, com a ameaça de perder a carteira e ir preso? Com esta lei ficamos impedidos de exercer-la porque temos como principal tarefa controlar a qualidade e evolução dos vinhos e espumantes através da análise sensorial. Perceber cores e tons, sentir a intensidade e sutileza dos aromas e comprovar em pequenos goles o equilíbrio entre acidez, álcool e taninos é um privilégio que somente nossa profissão tem. Como continuar a fazê-lo sem o trauma da infração grave, da perda da carteira e da liberdade quando voltarmos para casa? Na degustação técnica que fazemos diariamente de um número de amostras variável, mas que dificilmente é inferior a seis ou oito, ingerimos de 10 a 15 ml o que pode representar um copo. Se não temos um bafômetro na cantina para controlar, como saberemos que podemos voltar para casa dirigindo nosso automóvel como o fazemos sempre, sem correr o risco de sermos abordados por uma blitz e terminar o dia presos ou perdendo nossa carteira?
Como manter o saudável hábito de consumir vinho durante as refeições, que adquiri desde a adolescência com meu pai na mesa familiar e do qual tinha muito orgulho, sem correr o mesmo risco?
O consumo habitual insere o vinho na cultura gastronômica das pessoas e por tal razão nunca é associado ao exagero, ao alcoolismo. As pessoas que apreciam beber e o fazem com responsabilidade conhecem seus limites e os respeitam porque sabem que dentro deles se encontra o prazer. Fora deles o desconforto e o risco.
Ante esta situação tragicômica nos perguntamos: por que não houve tolerância zero quando o limite permitido era de 0,6 miligramas?
Por que não houve tolerância zero para as pessoas que consumindo quantidades superiores aos limites provocaram graves acidentes? Por que não foram presas e impedidas de dirigir de por vida? Por que não se aplicou a lei com o empenho de agora nessas oportunidades como medida educativa?
Quero respeitar os limites com responsabilidade, mas não quero ser impedido de exercer minha profissão com tranqüilidade nem de manter o hábito saudável de acompanhar minhas refeições com um copo de vinho. Limites sim, proibição não.
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