Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Vinhos conforme a característica da matéria prima
A videira é uma planta excepcionalmente generosa, cresce em qualquer lugar. Mas a sua generosidade não é gratuita. Cresce sim, mas seus frutos mudam de característica conforme o solo e o clima.
No quadro acima mostramos o Ciclo Anual da Videira que neste caso se inicia logo após a colheita. Com a chegada das temperaturas mais baixas do outono o caule se estreita, a seiva começa a deter seu fluxo a as folhas amarelam e caem.
Inicia-se a fase do repouso que se estenderá todo o inverno, importantíssimo porque é durante esta etapa que a videira descansa acumulando energias através das raízes.
Com a chegada da primavera e com ela as temperaturas mais amenas, a planta “acorda” e antes disso se realiza a poda. A manifestação do movimento da seiva é o conhecido “choro” que nada mais é do que gotas dela correndo pelos cortes feitos nos braços. É o prenuncio do inicio do ciclo vegetativo, do surgimento dos primeiros brotos, da fase mais delicada.
Estes brotos irão crescer, os galhos se estenderão e começara a floração seguida da fecundação que originará os pequenos cachos compostos pelos grãos.
Estes terão a aparência de uma ervilha que crescerá devido a multiplicação celular, ganhará o formato de uma azeitona e seu tamanho definitivo.
Os grãos terão uma mudança na sua pele ou casca que ficará translúcida permitindo a entrada dos raios solares. O ciclo anual estará próximo de seu fim com a completa maturação da uva. Nesta fase o grão ganhará todos seus componentes em especial relacionados à cor, aos ácidos e açúcares.
Chega finalmente a fase pre-colheita quando o grão cresce ou se encolhe por conta da exposição ao sol e à água.
Quando chove se encharca e cresce, quando não chove se encolhe e concentra. Como a quantidade de componentes é a mesma o efeito da água é diluidor e isso explica a dificuldade que enfrentam os produtores de vinhos da Serra Gaúcha para produzir vinhos encorpados, alcoólicos e potentes quando há excessos de chuva.
Baixa produtividade, desbrote e desfolhe permitem amenizar em boa parte o efeito danoso do excesso de água porque poupam a planta e facilitam a circulação de ar e a entrada dos raios solares. Os vinhedos que realizam este tipo de prevenção levam vantagem sobre os que mantêm alta a frondosidade da planta, mas não conseguem alterar totalmente o efeito do excesso de chuvas.
É impossível lutar contra a natureza por isso é importante conduzir as elaborações conforme o potencial de cada variedade em cada situação.
Acredito que a nova tendência que parece começar a predominar no mercado consumidor, que prioriza vinhos sem excessos, medianamente alcoólicos e encorpados devido à enorme leva de nossos interessados, poderá beneficiar os produtores de vinhos mais leves, elegantes, convidativos, fáceis de beber.
Não seria o caso de deixar as elaborações de vinhos mais longevos e encorpados para safras mais secas, em menor volume e concentrar os esforços na elaboração de vinhos com estilo mais apropriado ao clima predominante em nossas regiões?
Não seria o caso de abandonar a corrida rumo a estilos de vinhos com os quais não nos identificamos e seguir a trilha que a natureza nos oferece?
Vale a pena pensar nisso.
domingo, 6 de julho de 2014
A enologia arte
O saudoso Francisco Oreglia, padre salesiano diretor da Escola de Enologia “Don Bosco” na cidade de Mendoza, Argentina onde me formei, afirmava com veemência: a enologia é uma arte que precisa de artesãos e não de cientistas.
O padre Oreglia foi o professor de centenas de enólogos espalhados pelo mundo que aprenderam com ele a enologia prática na verdadeira essência, aquela que traduz num honesto vinho a vocação da vinha.
Não há mistérios, não há fórmulas mágicas. Há vinhedos bem formados, pacientemente aguardados, sabiamente conduzidos que produzem uvas sadias e justamente maduras que nas mãos de pessoas que praticam a “enologia arte” se transformam em vinhos dignos e representativos desse vinhedo.
Fazer vinhos bons e honestos que representem o caráter da uva que o origina não tem nada de extraordinário nem exige estudos científicos profundos. Uma boa porção de matéria prima sadia e madura, uma pitada de sensibilidade, outra de moderação e uma de equilíbrio.
Assim surgiram os grandes vinhos do mundo e assim surgirão outros.
Quando perguntaram a Paul Pontallier, enólogo do Château Margaux qual o mistério da qualidade e prestigio de seus vinhos respondeu: Duzentos anos de tradição cuidando das uvas que a natureza nos entrega e conduzindo o processo natural de transformação em vinho sem maiores intervenções. Assim de simples.
Exemplos assim mantendo as devidas proporções existiam em todo o mundo e o vinho representava com mais clareza a vocação das diferentes regiões.
Lembro que em 1970, quando trabalhava com o saudoso Raul de la Mota na Bodega Arizu de Mendoza, elaborávamos um vinho tinto genérico (não tinha ainda a moda dos varietais) da marca Valroy a partir de uvas Malbec e Bonarda que era tão autêntico, marcante e especial que durante anos guardei na minha memória gustativa seu aroma e seu gosto.
Era elaborado de forma simples, sem manobras, sem manuseios, maturado em barris grandes de carvalho francês e envelhecido pacientemente por pelo menos um ano.
Mas infelizmente com a abertura dos mercados no mundo nos anos noventa, ótima em certos aspectos, veio também a globalização de costumes e gostos induzindo o surgimento de produtos padronizados.
Isto afetou marcadamente a enologia no mundo e o estilo dos vinhos produzidos. Os vinhos começaram a ser cada vez mais parecidos uns com os outros.
O despreparo e insegurança dos novos consumidores de vinhos em alguns países importantes e a curiosidade que esta bebida despertou nas pessoas e na mídia, acabou facilitando o surgimento dos chamados “formadores de opinião” que com maior ou menor peso começaram a influenciar no estilo dos vinhos considerados “de qualidade, dignos de serem bebidos”.
O mais famoso de todos capaz de consagrar ou condenar regiões, uvas e marcas, foi Robert Parker.
Se na enologia predomina o equilíbrio, na de Parker predominam os excessos: de madeira, de corpo, de álcool.
As notas de Robert Parker (reconhecidas como RP nos rótulos das garrafas) se transformaram em sentenças capazes de elevar o preço de vinhos desconhecidos a valores estratosféricos.
Depois surgiram centenas, milhares de “formadores de opinião”, pessoas, revistas, jornais, com muito menos peso que Parker, mas influentes.
O “estilo Parker” (que afortunadamente afetou o estilo somente dos vinhos tintos deixando incólumes os brancos e espumantes) se transformou no sonho de consumo de muitas cantinas que almejavam produzir vinhos parecidos capazes de ganhar mercado rapidamente.
Houve uma correria em direção ao “estilo Parker” e como não há formas naturais de encurtar o tempo, surgiram alguns “artifícios” travestidos de “tecnologia” como o uso de lascas (chips) de carvalho e a micro oxigenação para substituir as demoradas, caras e chatas barricas de carvalho, os processos como osmose inversa e concentração a baixa temperatura para retirar água dos sucos e obter mais cor e álcool que servem para substituir uvas bem conduzidas, moderadamente produtivas, sadias e maduras, etc.etc.
Os vinhos tintos modernos em especial do Novo Mundo como Argentina e Chile são muito parecidos entre sim. Boa cor, aromas intensos de madeira, quase achocolatados e sabores macios e aveludados. Pouco importa se são feitos com Carmenere, Merlot ou Cabernet Sauvignon e muito menos de regiões diferentes.
Mas como o consumidor de vinhos é progressivo, se aprimora, se torna mais exigente, esta fase parece estar acabando.
As pessoas cansaram dos vinhos padronizados e buscam produtos mais autênticos e diferenciados.
O futuro parece reservar um lugar privilegiado aos produtores que ofereçam vinhos com estilo próprio, que mantenham a cor, os aromas e o sabor da “terra e do clima” que originou suas uvas.
Esperemos que assim seja!
O padre Oreglia foi o professor de centenas de enólogos espalhados pelo mundo que aprenderam com ele a enologia prática na verdadeira essência, aquela que traduz num honesto vinho a vocação da vinha.
Não há mistérios, não há fórmulas mágicas. Há vinhedos bem formados, pacientemente aguardados, sabiamente conduzidos que produzem uvas sadias e justamente maduras que nas mãos de pessoas que praticam a “enologia arte” se transformam em vinhos dignos e representativos desse vinhedo.
Fazer vinhos bons e honestos que representem o caráter da uva que o origina não tem nada de extraordinário nem exige estudos científicos profundos. Uma boa porção de matéria prima sadia e madura, uma pitada de sensibilidade, outra de moderação e uma de equilíbrio.
Assim surgiram os grandes vinhos do mundo e assim surgirão outros.
Quando perguntaram a Paul Pontallier, enólogo do Château Margaux qual o mistério da qualidade e prestigio de seus vinhos respondeu: Duzentos anos de tradição cuidando das uvas que a natureza nos entrega e conduzindo o processo natural de transformação em vinho sem maiores intervenções. Assim de simples.
Exemplos assim mantendo as devidas proporções existiam em todo o mundo e o vinho representava com mais clareza a vocação das diferentes regiões.
Lembro que em 1970, quando trabalhava com o saudoso Raul de la Mota na Bodega Arizu de Mendoza, elaborávamos um vinho tinto genérico (não tinha ainda a moda dos varietais) da marca Valroy a partir de uvas Malbec e Bonarda que era tão autêntico, marcante e especial que durante anos guardei na minha memória gustativa seu aroma e seu gosto.
Era elaborado de forma simples, sem manobras, sem manuseios, maturado em barris grandes de carvalho francês e envelhecido pacientemente por pelo menos um ano.
Mas infelizmente com a abertura dos mercados no mundo nos anos noventa, ótima em certos aspectos, veio também a globalização de costumes e gostos induzindo o surgimento de produtos padronizados.
Isto afetou marcadamente a enologia no mundo e o estilo dos vinhos produzidos. Os vinhos começaram a ser cada vez mais parecidos uns com os outros.
O despreparo e insegurança dos novos consumidores de vinhos em alguns países importantes e a curiosidade que esta bebida despertou nas pessoas e na mídia, acabou facilitando o surgimento dos chamados “formadores de opinião” que com maior ou menor peso começaram a influenciar no estilo dos vinhos considerados “de qualidade, dignos de serem bebidos”.
O mais famoso de todos capaz de consagrar ou condenar regiões, uvas e marcas, foi Robert Parker.
Se na enologia predomina o equilíbrio, na de Parker predominam os excessos: de madeira, de corpo, de álcool.
As notas de Robert Parker (reconhecidas como RP nos rótulos das garrafas) se transformaram em sentenças capazes de elevar o preço de vinhos desconhecidos a valores estratosféricos.
Depois surgiram centenas, milhares de “formadores de opinião”, pessoas, revistas, jornais, com muito menos peso que Parker, mas influentes.
O “estilo Parker” (que afortunadamente afetou o estilo somente dos vinhos tintos deixando incólumes os brancos e espumantes) se transformou no sonho de consumo de muitas cantinas que almejavam produzir vinhos parecidos capazes de ganhar mercado rapidamente.
Houve uma correria em direção ao “estilo Parker” e como não há formas naturais de encurtar o tempo, surgiram alguns “artifícios” travestidos de “tecnologia” como o uso de lascas (chips) de carvalho e a micro oxigenação para substituir as demoradas, caras e chatas barricas de carvalho, os processos como osmose inversa e concentração a baixa temperatura para retirar água dos sucos e obter mais cor e álcool que servem para substituir uvas bem conduzidas, moderadamente produtivas, sadias e maduras, etc.etc.
Os vinhos tintos modernos em especial do Novo Mundo como Argentina e Chile são muito parecidos entre sim. Boa cor, aromas intensos de madeira, quase achocolatados e sabores macios e aveludados. Pouco importa se são feitos com Carmenere, Merlot ou Cabernet Sauvignon e muito menos de regiões diferentes.
Mas como o consumidor de vinhos é progressivo, se aprimora, se torna mais exigente, esta fase parece estar acabando.
As pessoas cansaram dos vinhos padronizados e buscam produtos mais autênticos e diferenciados.
O futuro parece reservar um lugar privilegiado aos produtores que ofereçam vinhos com estilo próprio, que mantenham a cor, os aromas e o sabor da “terra e do clima” que originou suas uvas.
Esperemos que assim seja!
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