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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Modificando o gosto com mau gosto


O sempre bem antenado Luiz Cola do blog “Vinhos e mais vinhos” anuncia uma novidade originária dos Estados Unidos pra lá de criativa:

“Testes bem sucedidos com um novo gadget desenvolvido nos Estados Unidos sugerem que ele é capaz de deixar qualquer vinho "amaciado" em poucos minutos, melhorando seu sabor e tornando-o mais suave. Este novo acessório utiliza ondas eletromagnéticas e acústicas para aumentar o pH do vinho, reduzindo seus níveis de acidez e de sulfito durante o processo, que dura de 15 a 60 minutos, dependendo do grau desejado de "maturação" do vinho (leve, médio ou máximo). O "Wine Wizard" passou por mais de 150 testes cegos, onde mais de 97% dos bebedores de vinho amadores disseram que o dispositivo melhorou o sabor do vinho tinto, e 90% deles concordou que houve melhoras nos aromas. Já para os vinhos brancos, o índice de melhora nos vinhos foi de 85%. Cabe ressaltar que a grande maioria das amostras utilizadas foi de vinhos com preço no varejo americano entre US$ 6 e US$ 12 (equivalentes a R$ 40 e R$ 80 no Brasil). A previsão é que o produto chegue ao mercado americano até o final deste ano. É "beber" para crer!”

Como sempre afirmei o generoso mundo do vinho aceita tudo, até sofisticado equipamento para “amaciar” vinhos.

Nessa onda de criatividade quero aproveitar e dar algumas sugestões para aqueles que desejam alterar o gosto de alguns vinhos e espumantes:

- Vinho muito encorpado, trava: misture num copo metade desse vinho e metade de água mineral sem gás. É tiro e queda...

- Vinho muito seco ou ácido: misture num copo dois terços de vinho e um terço de coca-cola ou outro refrigerante. Fica maravilhoso...

- O espumante tem muito gás e incomoda: jogue nele uma pitada de açúcar granulado. Depois de alguns segundos fica excelente, choco...choco...

Apesar de todas as iniciativas em desfigurar o vinho é importante lembrar que por trás de cada copo há um pé de videira plantado com cuidado, aguardado com paciência, adaptado lentamente à terra e clima que o recebeu, transformado em vinho através de mãos expertas, conservado por um bom tempo e colocado no mercado com muita expectativa.

É importante aceita-lo como ele é. Podemos não gostar de um ou outro tipo de vinho, mas deixemo-lo em paz.

Que os americanos gastem seu tempo inventando coisas mais úteis e deixem as brincadeiras para as crianças...

Todos os dias é dia

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Verticais - Baron de Lantier Cabernet Sauvignon 1991 a 1996


Toda degustação vertical desperta variados sentimentos, ansiedade, curiosidade, expectativa, etc.

Para mim, que fiz parte da história do Baron de Lantier, a degustação que fizemos com este grupo de amigos, foi e será inesquecível.

Como na degustação do ORUS vou me abster das avaliações com notas que acredito algum dos participantes fará. Vou me limitar a descrever as impressões que tive deste vinho que foi ícone na época e que não degustava comparativamente desde 2003.
Minha primeira emoção foi comprovar o perfeito estado de todas as rolhas e a neutralidade das mesmas: nenhum vinho apresentou aromas ou gostos “de rolha”.
O rigoroso sistema de controle de qualidade que tínhamos na De Lantier desde 1985 cumpriu perfeitamente seu papel.

Paul Medder, sommelier do Aprazível, foi o responsável da abertura das garrafas e previamente concordamos que devido a idade não era recomendável areja-los.

Considerando que a vertical era composta por vinhos de idades compreendidas entre 17 e 22 anos, todos esperávamos maior evolução da cor, com maior presença de tons laranjas, perda de limpidez e brilho.
Não foi nada disso, a cor de todos se apresentou firme dando a primeira prova da equilibrada composição dos componentes da cor e acidez.

Os aromas vínicos invadiram o ambiente apresentando-se com muita complexidade onde as notas de frutas secas e geleias conviviam harmoniosamente com o moderado carvalho.

Ao gosto, o primeiro ataque nos entregava uma tanicidade marcante sem agressividade mostrando a perfeita maturação das uvas.
A safra 1991 foi o destaque especial pela potencia e vivacidade demonstrando que logos anos o esperam ainda.

Quem tiver alguma garrafa deste vinho não tenha pressa. O tempo passa lentamente para ele.

Quero destacar algumas das medidas tomadas ao idealizarmos o Baron de Lantier Cabernet Sauvignon.

1. Cadastro de produtor e cadastro de propriedade: Foi um levantamento que permitiu conhecer e controlar cada um dos talhões cultivados por nossos fornecedores. Cada parcela era medida, seu solo analisado e todos os pés plantados rigorosamente controlados em relação a origem do material, sanidade, tratos e produtividade. Lembro que muitos destes cadastros foram feitos pelo laboratório enológico que tinham Fábio e Adriano Miolo, jovens que se iniciavam na enologia e agora personagens da vitivinicultura brasileira moderna. As planilhas permitiam controlar a produtividade baixa por pé de modo a garantir o máximo de maturação possível.

2. Programa de colheita e transporte das uvas: Agrônomos controlavam a evolução da maturação das uvas, determinavam o momento exato da colheita e fiscalizavam a forma correta de transporte até a cantina quando eram imediatamente processadas. Era necessário encurtar ao máximo o tempo da colheita e processamento.

3. Maceração: A Martini foi a primeira empresa em utilizar os maceradores rotativos que atuam como grandes betoneiras e que fazem a extração lenta e delicada dos componentes da cor, sem machucar a pela, sem retirar componentes indesejados.

4. Controle de extração de componentes: Usando a espectrofotometria conhecíamos o tipo e a evolução da retirada dos diferentes componentes como antocianos e taninos. Esta fase é vital porque determina a capacidade de guarda do futuro vinho. Não é qualquer vinho que “sobrevive” a anos de maturação em carvalho e envelhecimento na garrafa.

5. Maturação em carvalho: Neste item também a Martini foi pioneira porque foi a primeira vinícola a importar barricas de carvalho francês de 225 litros. Decidimos pelas francesas após um ano de testes comparativos com as de carvalho americano. A diferença é notória em termos de elegância e presença sutil da baunilha.

6. Tempo de maturação: Inicialmente estimada entre 8 e 10 meses, foi diferente de ano para ano. Não éramos nós que determinávamos, era o vinho. O de 1991 permaneceu por 18 meses. Foi necessário esse tempo para doma-lo.

7. Envelhecimento: Fase fundamental para dar complexidade aromática e maciez gustativa. Nesta o vinho “era esperado”, não havia prazos. Novamente o 91 foi o mais aguardado, somente chegou ao inicio do ciclo de consumo dois anos depois de engarrafado.

O que me deixa mais orgulhoso é comprovar o bom trabalho realizado por nossa equipe nesses anos começando pelo esforço feito no campo pela dupla Osvaldo e Evalde Filipon, complementado pelo fantástico trabalho de Carlos Zanuz na cantina.

O incrível é que os vinhos preferidos da degustação foram os das safras 1991 e 1992 e na planilha acima se observa a enorme diferença que existiu no comportamento do clima.


Para aqueles que subestimam a capacidade dos enólogos brasileiros para elaborar vinhos tintos, os dados acima são uma clara demonstração da enorme variação que o clima apresenta, resultando na mudança radical da composição dos caldos. A chuva tem um efeito diluidor e por isso quantidades fortes prejudicam as uvas acentuando a necessidade de um rigoroso controle da produção.

Quando analisamos a amplitude térmica no período final da maturação, diferença entre as temperaturas máximas e mínimas, observamos que neste item a safra 1991 foi um destaque.

Sinto-me com o dever cumprido porque o tempo comprovou que todos nossos esforços foram premiados. Minhas homenagens para a jovem equipe, da qual mencionei alguns, que me acompanhou.

Sintam-se orgulhosos por fazer parte da história da vitivinicultura brasileira. Por ter conseguido, vinte anos atrás, elaborar um vinho que muitos não conheceram mas que é um digno representante da enologia gaúcha.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A entrevista na íntegra



1. - O que representa para o senhor completar, em 2013, 40 anos de contribuição com o desenvolvimento da vitivinicultura brasileira?

Representa o orgulho e a satisfação de comprovar que tudo o que poderia ter feito de certo e errado eu fiz.
Poder ser testemunha de toda a transformação que a vitivinicultura brasileira teve nestas quatro décadas é um privilegio.
Até hoje procuro através da minha pequena empresa de assessoria enológica participar da experiência de acompanhar o surgimento de novas regiões . Atualmente presto serviços a duas vinícolas: Peruzzo de Bagé e Batalha de Candiota com as quais continuo aprendendo muito e ensinando o que está ao meu alcance.


2. - O que o senhor aprendeu nesses 40 anos?

Meus quarenta anos de Brasil foram de constante aprendizado e até hoje aprendo com os consumidores, aprendo com meus distribuidores, aprendo com meus colegas enólogos. Devo lembrar que quando cheguei ao Rio Grande do Sul tinha somente 24 anos e apesar da minha experiência na elaboração de espumantes, estava acostumado a praticar a enologia argentina na qual o envolvimento do profissional com as tarefas de cantina é limitado. De imediato tive de arregaçar as mangas e aprender como funcionava uma bomba, um filtro, uma linha de engarrafamento para ensinar os novos funcionários que nada sabiam. Tive de conhecer a realidade nos vinhedos, me envolver, pesquisar, testar, errar, acertar, em fim me aperfeiçoar nas mais diferentes áreas.
Minha carreira na De Lantier, empresa de ponta do setor foi muito rica em experiências técnicas tanto na área de viticultura como enologia. Quando assumi a Diretoria de Operações na Bacardi e posteriormente a Diretoria da Casa Vinícola De Lantier, me envolvi com áreas com as quais até esse momento pouco conhecia como a área comercial e de marketing o que me proporcionou um enorme aprendizado do mercado brasileiro de vinhos e espumantes. Tive oportunidade de aprender também o que não deve ser feito. Tudo me ajudou a começar minha carreira solo em 2004 com os pés no chão.


3. - O Sr. poderia falar dos pontos mais marcantes da evolução da vitivinicultura no Rio Grande do Sul e no Brasil nestes últimos 40 anos?

A vitivinicultura gaúcha que de certa forma representa a vitivinicultura brasileira, teve a meu ver duas fases importantíssimas que infelizmente não se complementaram.
A fase que chamaria de precursora da década de setenta a meados da noventa, quando a influencia de empresas estrangeiras que se instalaram no RS, como Martini e Rossi, Chandon, Forestier e Heublein transformou totalmente a estrutura produtiva de vinhos. Em poucos anos a região progrediu décadas incorporando a mais moderna tecnologia que nem Argentina nem Chile possuíam. O resultado foi uma melhora extraordinária na qualidade dos vinhos, em especial dos brancos e espumantes que são mais sensíveis a esta variável. As empresas internacionais colocaram o vinho gaúcho nos melhores restaurantes e a distribuição dos mesmos ocupou todo o território nacional. Infelizmente estas empresas desistiram e não conseguiram fazer a mudança na viticultura que a região precisava.
A fase atual desde a segunda parte da década noventa até os dias de hoje se caracterizou pelo surgimento das empresas que sucederam as multinacionais que deixaram a região. Estas empresas, muitas delas pequenas e familiares, alteraram momentaneamente o perfil produtivo de vinhos na região e criaram a expectativa do surgimento de uma nova vitivinicultura. Infelizmente a luta pelo mercado cobra seu preço e algumas delas que felizmente são minoria, atraídas pela entrada das novas tecnologias entre as quais destacaria o uso de chips, escolheram produzir o vinho padrão, muito igual, sem graça. Outros, de forma admirável, se esforçaram em produzir seus vinhos com estilo próprio, preservando o caráter regional, de cada casta, de cada talhão. Esta nova fase produtiva resultou em volumosos investimentos em vinhedos, agora em espaldeira, direcionados a vinhos de qualidade e equipamentos modernos para recepção de uvas, elaboração de vinhos, armazenamento e conservação de vinhos e madeira nobre. Nesta fase atual o setor perdeu mercado por falhas nas estruturas de distribuição e a falta de foco no trabalho de imagem do vinho nacional que tão bem faziam as multinacionais.


4. - Quais foram os erros e acertos da vitivinicultura brasileira nestes 40 anos?

Os grandes acertos foram: continuar investindo em novas regiões para o plantio de uvas de qualidade como Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Livramento e outras, incrementar o plantio de espaldeira na Serra, acreditar nos espumantes, investir com força em novas instalações e equipamentos, acreditar que o Brasil tem condições de produzir vinhos e espumantes de qualidade, dignos da região.
O grande erro foi não ter lutado o suficiente para conseguir unir o setor. Quem produz uvas e vinhos tem tendência a ser individualista, defender o seu esquecendo o coletivo. Nestes quarenta anos fui testemunha da influencia nefasta de alguns líderes que infelizmente se revezam e que às vezes são competentes da porta da cantina para dentro. As entidades representativas do setor pensam pela cabeça dos grandes e desconhecem a importância dos pequenos. A perda de mercado do vinho nacional em relação aos importados é uma demonstração de incompetência associada a desunião. Temos vinhos excelentes mas o consumidor não os reconhece.
No lugar de trabalhar juntos, unidos em favor do reconhecimento da qualidade, da imagem de nossos vinhos, as cabeças pensantes decidiram criar pequenos monstros que pouco ajudaram como o selo fiscal e a falida tentativa de criar salvaguardas.
A carga tributária, a burocracia, a incorporação do setor no sistema SIMPLES e a falta de atualização da legislação deveriam ser os focos principais das entidades representativas.
O Ibravin, principal entidade do setor, está fazendo um excelente trabalho de divulgação da qualidade dos vinhos nacionais no mercado participando em férias, promovendo circuitos de degustação, etc. Falta maior agressividade no combate aos eternos gargalos como os citados acima que impedem o crescimento em especial dos pequenos produtores. Ao Ibravin ainda está reservada a tarefa de unir pequenos, médios e grandes produtores através de um projeto de ações que resultem num ganho de competitividade para todos, para aqueles que buscam grandes volumes e para aqueles que preferem produções pequenas, artesanais. Tenho ainda esperança que isso aconteça em breve.


5. - Qual é a importância do espumante brasileiro para o Brasil e para o mercado mundial?

A qualidade dos espumantes do RS, reconhecida no Brasil e no exterior, é uma clara demonstração da nossa capacidade técnica nas áreas de viticultura e da enologia. O Brasil é conhecido no mundo como o país das praias, do clima tropical, do futebol, do carnaval. Não imaginam que num cantinho deste imenso país haja condições climáticas e de solo para produzir uvas e vinhos. Quando conhecem nossos espumantes ficam admirados e isso ajuda à imagem do Brasil como produtor. Devido às condições do clima desfavorável à plena maturação das uvas e a nosso patrimônio vitícola dentro do qual se encontram uvas como Chardonnay e Pinot Noir, nossos espumantes tem um estilo próprio que lembra os originários da região onde tudo começou: Champagne.


6. - Como o senhor descreveria o consumidor brasileiro de espumantes?

Não existe um consumidor brasileiro especial de espumantes. Nenhuma outra bebida se identifica tanto com o espírito alegre, festivo, descontraído e brincalhão do brasileiro como o espumante. Por isso que o consumo aumenta ano a ano. Outro fator importante é a preferencia que a mulher brasileira dá aos espumantes feitos aqui. Se tivesse de descrever um perfil do consumidor brasileiro de espumantes diria que é uma pessoa que se liberou da velha e surrada regra que condenava o espumante a acompanhar somente momentos especiais, festas e comemorações. A festa é a própria presença do espumante, seu perlage, seus aromas envolventes, seu sabor cativante. Isto o brasileiro já descobriu.

7. - Por que o senhor decidiu se lançar em voo solo se dedicando à produção de espumantes?

Decidi abandonar minha carreira numa multinacional quando conclui que não tinha mais o que fazer nela. Ou as empresas tem um mínimo de vocação para participar do mercado de vinhos e espumantes ou se dedicam a outra coisa. A minha antiga empresa é um claro exemplo disso.
Decidi produzir espumantes por acreditar muito no futuro desta magnífica bebida e porque estou convencido que é o que sabemos e podemos fazer melhor. O brasileiro está condenado a beber espumantes porque se identifica com ele e porque boa parte do território tem clima e gastronomia apropriada para seu consumo. O enorme litoral que temos e um campo fértil para o consumo de espumantes. Nossa tarefa é semear essa cultura. O consumo virá.


8. - Quantos rótulos a Lona tem hoje e quantas garrafas produz por ano?

Comercializo 6 espumantes sob a marca Adolfo Lona, 3 pelo método charmat: um brut rosé que é meu campeão de vendas, um brut branco e um demi-sec aromático com moderada quantidade de açúcares, elaborado exclusivamente com uva Moscatel e 3 pelo método tradicional ou champenoise com dezoito meses de ciclo de produção: um Nature branco, um Brut e um Nature rosado com 24 meses de ciclo comercializado sob a marca Orus-Adolfo Lona. Produzo em torno de 65.000 garrafas anualmente, 50.000 pelo método charmat.

9. - Qual é o produto mais importante?

Para mim são todos importantes porque cada um deles leva uma proposta diferente ao consumidor e foram criados graças a muito estudo. O Brut rosé é meu campeão de vendas em todo ao país e o considero o melhor dentro da sua categoria, leve, fresco, agradável, convidativo. O Demi propõe um espumante Moscatel com somente 22 gramas de açúcares tornando-o gastronômico. Nosso Nature é amável apesar de ser zero de açúcares e o considero à altura dos grandes espumantes do mundo. Já o ORUS, nature rosado com vinte quatro meses de ciclo é meu maior orgulho pela opinião favorável que os maiores especialistas dos pais têm sobre ele. Elaboro somente 600 garrafas por ano deste espumante das quais bebo a metade com amigos e visitantes da minha pequena produtora.

10. - O senhor prefere trabalhar com o método charmat ou champenoise?

Prefiro o método tradicional porque é mais desafiador, é de ciclo mais longo e por isso o que proporciona maiores mudanças no produto durante todas suas fases. Acompanhar a evolução de um espumante durante quase dois anos quando passa as fases da tomada de espuma e maturação e fascinante. Enfrentar e vencer com êxito o desafio de fazer um assemblage (mistura de diferentes vinhos e variedades) que resulte num espumante de qualidade superior, digno da Serra Gaúcha é uma tarefa que realiza pessoal e profissionalmente qualquer enólogo.

11. - O que diferencia esses dois métodos em termos de qualidade do produto final?

A grande diferença não é qualitativa já que em ambos o produto final tem de ser perfeito. A diferença é de estilo.
No método charmat clássico com ciclo aproximado de seis meses, a função da levedura é limitada como fator que proporciona grandes mudanças no produto final desde o ponto de vista olfativo e gustativo. O espumante elaborado pelo método charmat é mais fresco, frutado, vinoso. Tem mas a “cara” do vinho base. Nestes espumantes é fundamental o equilíbrio da acidez para que não resultem agressivos. Nos meus espumantes charmat trabalho com vinho base de dois anos.
Já no método tradicional, a longa permanência das leveduras em contato com o vinho base na fase de maturação, quando acontece o primordial fenômeno da autólise que libera alguns aminoácidos, o vinho base incorpora aroma e sabores especiais, que lembram pão torrado, mel, e outros que contribuem na sua amabilidade. O maior desafio neste tipo de espumante é o tipo Nature ou Pas Dosé que não possui açúcares adicionadas no licor de expedição. O vinho base tem de ser especialmente preparado pesando que no final não teremos a ajuda do açúcar que serve como cobertor. No meu tem uma pequena parcela de Merlot em branco que quebra a acidez.
Costumo disser que as diferenças entre os espumantes produzidos pelo método charmat e tradicional ou champenoise são semelhantes às que existem entre o vinho tinto jovem e o envelhecido. Um é mais fresco, vinoso, o outro mais complexo e marcante.
Melhor, pior? Não, diferentes. Cada um é maravilhoso em seu estilo.


12. - O senhor poderia descrever como seria o serviço correto do espumante?

O respeito ao principal componente do espumante que é o gás carbônico é fundamental. Quem não gosta de gás que beba vinho tranquilo. Não condeno os que praticam o “sabrage” que considero uma forma festiva de assassinar um espumante mas prefiro a forma que evite qualquer perda do gás.
É importante conhecer as regras de convivência entre um líquido e o gás carbônico.
O gás se dissolve mais a temperatura baixa e se desprende mais a temperatura alta. Evite os choques de temperatura.
O gás mantêm o volume de dissolução num líquido proporcionalmente à pressão exercida na superfície deste líquido. Parece japonês mas não é. Um espumante tem uma pressão barométrica próxima ás 5 atmosferas e na garrafa não forma espuma porque a pressão na câmara vazia, aquela que existe entre o líquido e a rolha, é também de 5 atmosferas.
Quando retiramos a rolha, a pressão na superfície é zero e a tendência é formar espuma e desprender rapidamente o gás com consequências no volume. Minha recomendação é:
a. Esfrie num balde com abundante gelo durante pelo menos 45 minutos. No balde coloque primeiro o gelo, depois água até metade do balde aproximadamente, homogeneíze a mistura até a água estar bem gelada e depois coloque a garrafa. Desta forma o gelo não grudará e ao esfriamento será rápido. Se quiser agilizar adicione álcool mas tome cuidado porque a temperatura poderá ser negativa e o espumante congelar. Use álcool somente em casos de emergência.
b. Abra a garrafa retirando a cápsula, afrouxando a gaiola (sem retirar) e segurando a rolha firmemente de modo a que saia devagar, sem explosão.
c. Sirva a taça mantendo-a inclinada (para evitar emulsionar) e colocando primeiramente uma pequena quantidade de espumante no fundo da mesma. Deixar esfriar durante alguns segundos após os quais se serve até completar ¾ da taça.
d. IMPORTANTE: Não esfrie a taça em geladeira ou frízer, ficará embaçada. Após o uso lave com detergente somente na boa da taça, o resto com água quente. Retire o resto de detergente com abundante agua. Taças mal enxaguadas, com resíduos de detergente, são as que impedem o perlage, o espumante dá a impressão de estar choco.


13. - O senhor poderia dar sugestões de harmonização com espumantes para entrada, prato principal e sobremesa?

Para entradas e aperitivos: Sugiro um espumante Brut charmat que tem como objetivo abrir as papilas e limpa-las sem interferir. Um espumante mais complexo elaborado pelo método tradicional ocupará mais espaço do que o recomendado. A função da bebida neste momento é “despertar os sentidos” para o que virá depois.
Para prato principal:
- Se forem pratos à base de frutos do mar ou peixe sugiro espumante bem seco (Nature, Extra-brut ou Brut) elaborado pelo método tradicional. Esses pratos precisam de espumantes marcantes, valentes.
- Se forem pratos à base de carnes brancas, massas ou risotos sugiro espumante Brut rosé ou branco (charmat ou tradicional). O rosé é um espumante extremamente versátil desde o ponto de vista gastronômico e associa ao frescor e a delicadeza a potencia da uva tinta.
Para sobremesas: Nestes pratos tem de tomar cuidado com o grau de doçura da sobremesa que não deve ser excessiva já que desta forma ficará ressaltada a acidez da bebida podendo criar algum desconforto nos convidados.
Os espumantes Demi-sec, com moderada quantidade de açúcares (geralmente inferior a 30 gramas litro) são recomendados para sobremesas cítricas que apresentam bom grau de acides e pouco açúcar.
Os espumantes Moscateis, mais doces (quase sempre próximos aos 80 gramas litro) são indicados para sobremesas mais cremosas, concentradas e maior grau de doçura.

Obrigado, Vinho Magazzine


A Revista Vinho Magazzine acaba de publicar no número 100 do mês de agosto de 2013 uma entrevista que dei à repórter especial Maria Edicy Moreira.

Graças a generosidade da revista e ao profissionalismo da jornalista, tive a oportunidade de responder perguntas inteligentes que permitiram expor minha postura em relação a temas algo polémicos como selo fiscal e salvaguardas e também minha visão sobre o setor.

Acredito muito não futuro dos vinhos e espumantes brasileiros que com certeza superarão as dificuldades que enfrentam.

Acredito que iremos acertando o passo em direção à união, ao foco total na construção lenta da imagem dos produtos, no ganho de mercado, no ganho de confiança.

sábado, 10 de agosto de 2013

Verticais: ORUS


Ontem fizemos no maravilhoso restaurante Aprazível do RJ duas verticais das quais farei comentários separados: espumante Nature Rose ORUS e Baron de Lantier Cabernet Sauvignon.
Participaram meus amigos Antonio Campos, proprietário da Mccoy, distribuidor da Zahil e meu distribuidor no RJ, Alain Ingles, Claudio Werneck, Beto Duarte, Pedro Hermeto (proprietário do Aprazível e Paul Medder, sommelier da casa.

Começamos degustando a vertical de ORUS que era composta dos lotes 2008 a 2013, este último saindo do forno agora.

Não fui para distribuir fichas de degustação ou dar pontos aos espumantes. Meu objetivo era ouvir e avaliar a situação dos produtos em relação ao ciclo de consumo de cada um.

Entendo “Ciclo de consumo” como o período durante o qual o produto se mantêm no ápice de suas característica. Quando observamos um certo declínio pelo avanço da oxidação ou diminuição rápida de suas melhores características organoléticas é sinal claro do fim do ciclo de consumo.

Para minha alegria e tranquilidade todos os lotes se encontravam em perfeito estado de evolução e surpreendentemente, o lote 2008 foi considerado perfeito, com justa evolução mas mantendo a cativante mistura de fruta madura com os aromas e gostos próprios do envelhecimento, marcantes.
Conclusão: para alegria geral, com “muitos anos de vida”.

Ficou comprovado que o estilo marcante, diferenciado, único do ORUS superou as marcas do tempo e se manteve vivo.

Momentos como este são especialíssimos para mim porque possibilitam que comprove que o caminho que decidimos trilhar é o correto. Tenho certeza que os sentimentos despertados pelo ORUS a meus amigos presentes e expressados de diferentes formas eram verdadeiros e refletiam o momento mágico que compartíamos.

Nossos esforços continuarão direcionados a proteger a continuidade qualitativa deste espumantes que é motivo de orgulho para nossa produtora.

É e continuará sendo o espumante das 600 garrafas.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O problema é o tamanho


Graças a generosidade de meu amigo Darci Dani, diretor executivo da AGAVI-Associação Gaúcha de Vinicultores, recebi dados do setor da uva e do vinho do Rio Grande do Sul que explicam o motivo pelo qual o Governo Federal não ouve as reivindicações do mesmo e também o porquê da desunião.

O faturamento total anual de todas as cantinas do RS, grandes, médias e pequenas somadas, é de um bilhão e meio de reais.
Se comparado com o faturamento de algumas das grandes empresas brasileiras, este número é insignificante.

Jamais chamará a atenção das “cabeças pensantes”, dos “filósofos” que nos governam.
Apesar da altíssima e assassina carga tributária que supera cinquenta por cento do preço final dos vinhos e espumantes comercializados, o volume de dinheiro gerado pelos impostos que vão para alimentar a elefantesca máquina pública, não alcança nem para pagar as mordomias com carros, viagens com aviões da FAB, auxiliares, cafezinho, etc. de deputados e senadores.

Então, porque se preocupar com este setor? Porque auxilia-lo?

Se fossem inteligentes perceberiam que sendo tão pequeno o volume de recursos envolvidos, diminuir a carga tributária daria enormes benefícios ao setor e representaria pouca perda de dinheiro para jogar fora.

Se analisarmos a estrutura do setor observamos alguns dados que comprovam a importância socioeconômica do setor.

As famílias envolvidas são vinte mil que somadas as pessoas ligadas à produção de vinhos e espumantes e às dos setores de serviços somam cem mil beneficiários deste setor.

Isto é importantíssimo, mas quem se preocupa com esses números?

Observando o desenho do tamanho das cantinas, entendemos porque existe uma tendência em concentrar as ações naquelas que procuram beneficiar as grandes produtoras.

Das 463 cantinas existentes, 9 são muito grandes, 6 são grandes, 45 são médias e 403 são pequenas. Ou seja a produção e comercialização dos maiores volumes está concentrada em poucas cantinas.

Quem vai se importar com as pequenas se pouco vai variar elas existindo ou não?

Enquanto houver por parte do Governo uma postura de valorizar aqueles setores que geram grandes volumes de dinheiro em impostos, independentemente da carga tributária, o setor da uva e do vinho no Brasil será ignorado.

Enquanto houver por parte das entidades uma postura de valorizar somente aqueles que produzem e comercializam grandes volumes, o setor permanecerá vulnerável aos ataques dos “inimigos externos” de turno.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sinto falta


Antecipando uma degustação vertical de Baron de Lantier Cabernet Sauvignon das safras 1991 a 1996 que terei no Rio de Janeiro com meus amigos Alain Ingles, Claudio Werneck, Beto Duarte e alguns convidados, abri uma garrafa deste vinho da safra 1996. Não parece, mais é um produto que desafiou o tempo durante longos dezessete anos.

Confesso que fui invadido por uma profunda saudade. Fazia anos que não sentia num vinho, as delicadas, suteis e dignas marcas do tempo.
Como é gostoso descobrir ao olhar para o vinho, esse brilho que destaca as “rugas” laranjas que os anos de envelhecimento deixam por trás do marrom intenso, dando uma tonalidade que me lembra a pele curtida de um nobre senhor.

O moderado oxigênio incorporado na controlada decantação, parece acordar o vinho de seu prolongado descanso. Os aromas que misturam odores de couro, frutas secas e geleias vão se destacando sem conseguir esconder a vinosidade potente de um verdadeiro Cabernet Sauvignon.
É um vinho para ser bebido com o nariz, tanta é a carga de lembranças aromáticas que me desperta.

Ao ser colocado na boca sinto um primeiro ataque deslumbrante, macio, cálido, envolvente. A pesar dos anos, mantêm viva a potência tânica, a estrutura, o vigor. Os sabores são complexos, quase impossíveis de descrever, mas cativantes.

Este, independentemente da marca, é um vinho que não passa sem deixar sequelas.

Como é gostoso, diferente, único, o vinho velho. O vinho elaborado de tal forma que sua carga de componentes assegure uma maturação lenta e gradual, seguida de um envelhecimento lento, sem presa, cuidadoso, protegido, desafiando o tempo.

Quando o comparo com os vinhos modernos oferecidos no mercado quase entro em desespero.
Porque o que mais abunda são os vinhos padronizados, muito jovens, muita madeira, amaciados com práticas que desprezam o tempo.

Analise uma prateleira de loja ou supermercado e perceberá que noventa por cento dos vinhos tintos são de safras 2011 – 2012 e acredite, 2013.

Frutadinhos, com muito cheiro e sabor de frutas, quase tropicais, enjoativos...

Será que o indefeso consumidor merece somente esse estilo de vinho?

Será que a necessidade do retorno rápido que uma boa parte das vinícolas têm, condenará o consumidor a beber somente esse estilo de vinho?

Meses atrás degustei um excelente Merlot 2007 da pequena vinícola Vallontano do Vale dos Vinhedos que segue o estilo dos vinhos maduros, medianamente envelhecido e que foi uma excelente experiência.
Me demostrou que apesar da tendência predominante no mercado, existe gente que consegue com paciência, boa matéria prima e muita sabedoria, oferecer vinhos dignos de seu nome.

Espero que o natural progresso sensorial que os consumidores de vinho ganham com os anos, direcione o mercado para vinhos mais representativos do esforço e dedicação que o verdadeiro “produtor” de vinhos realiza.