Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
domingo, 22 de outubro de 2017
Meu branco preferido
Confeso que meu hábito de beber espumantes me levou a preferir os vinhos brancos aos tintos. Talvez por ter me acostumado a leveza e ao frescor.
Os tintos, além de oferecer mais risco na compra pela excessiva oferta de vinhos muito jovens e carregados de carvalho, são mais limitados na harmonização.
Detesto brancos nos quais a presença de carvalho, via chips ou barrica, predomina e impede a fruta e o caráter varietal se sobressaírem.
Também tenho dificuldades em consumir produtos com preço elevado que para mim significa superiores a R$ 50,00 - R$ 60,00. Sei que quanto menor a faixa menor é o valor que as pessoas atribuem ao produto mas comigo essa premissa não funciona.
Gosto de garimpar e a minha procura acaba quando acho um vinho confiável. Porque como sempre disse, comprar vinhos é um ato de risco.
Dito isto, e superando uma velha dificuldade resultante da interferencia de uma senhora chamada "ética profissional", vou falar de um vinho que consumo frequentemente quando não bebo meus espumantes...nos quais confio cem por cento.
É o Chardonnay Varietal Aurora, sempre igual (porque Aurora respeita a disciplina), sempre correto, sempre fresco (porque gira), sempre com preço perfeito, inferior a R$ 30,00 nos supermercados e R$ 40,00 nos restaurantes como mostra a Carta acima.
Atenção, é o varietal, porque o Reserva passa por carvalho e para mim, perde um pouco a graça.
Agora que chega o verão vou repetir um velho hábito que as vezes espanta os "especialistas": levar à beira da praia uma garrafa deste Chardonnay a temperatura ambiente, verte-lo num copo de bom tamanho e adicionar duas ou três grandes pedras de gelo. Ele parece acordar, abrir os olhos, os aromas, o sabor e se oferecer radiante, saboroso, leve, convidativo.
O céu será mais azul, o mar mais cristalino, você e suas companhias, mais felizes.
Se conseguir superar a mania de achar que o vinho exige ceremonia, ambiente especial ou formalidade, experimente. E depois me conte.
sábado, 7 de outubro de 2017
Aço, barrica, tonel...segunda parte.
O tema aço inoxidável, barrica e tonel dá para muito. Volto com ele porque é atualíssimo. Farei o que estiver a meu alcance para mudar, ainda que minimamente, a predominância deste binómio. Minha experiência, que conto abaixo, e minha visão do momento atual, me obrigam a faze-lo.
Na minha longa carreira de enologia que iniciou na década de sessenta na Bodega Arizu em Mendoza, na Argentina, tive a sorte de ir aprendendo e entendendo a cada dia, a maravilhosa missão da “elaboração”. Porque os vinhos não se fabricam, se elaboram, se criam, se transformam, se modelam, se aperfeiçoam.
Em Arizu tive a privilegio de conviver com um dos mais respeitados enólogos argentinos: Don Raul de la Mota. Don Raul, como o chamávamos carinhosamente, praticava a enologia sábia, reflexiva, respeitosa, onde o tempo e a boa madeira eram aliados insuperáveis.
Os vinhos, provenientes de uvas maturadas sem exageros, sadias, frescas, repousavam durante demorados anos, em toneis de carvalho da Eslovênia de tamanhos variáveis mas não inferiores a 1.500 litros. Neles, os vinhos maturavam devagar, incorporando migalhas de oxigênio, ganhando caráter, maciez, elegância.
Mendoza teve, no inicio do Século XX, acesso a boa madeira pelas mãos de uma família de tanoeiros da Eslovênia chamada Bajda que chegou a Mendoza após a Segunda Guerra. Nessa época não se pensava em recipientes menores como as barricas, tão em uso nos dias atuais.
Na minha chegada ao Rio Grande do Sul já na década de setenta, a realidade foi outra. A madeira usada era a local, amendoim, grapia e pinho. O inoxidável era inviável pelo alto custo e a barrica impensável. Descobrimos alguns anos depois que as pipas de pinho e grapia, quando não devidamente parafinadas à quente, transmitiam gosto amargo e resinoso.
Logo depois, chegou o aço carbono revestido de tinta epóxi, a novidade da época que permitia conservar os vinhos, em especial brancos, em recipientes inertes. Era a fase da busca de brancos frutados, limpos, delicados. Foi necessário buscar algum gás inerte para manter a superfície impecável e o nitrogênio foi o escolhido. Tempo depois descobrimos que ao absorver o carbônico naturalmente presente nestes vinhos, o nitrogênio deixava os brancos meios “chatos”, planos, com poucos aromas. Veio a mistura, CO2 e N2 e o problema acabou.
Quando os preços ficaram menos pesados foi a vez da chegada do aço inoxidável, agora com cintas para refrigeração, fantásticos. Para nós enólogos empenhados em brancos saborosos era a perfeição na forma de tecnologia. Tínhamos vencido uma etapa brava.
Já nos anos oitenta, quando o objetivo era elaborar um “vinho tinto de guarda”, que desafiasse o tempo, foi inevitável pensar nos tintos de Bordeaux, robustos, maturados e envelhecidos por longos períodos.
Foi a vez da madeira mais nobre, o carvalho e no formato mais adequado, a barrica de 225 litros.
Carvalho americano ou francês? Só uma prova com 50 barricas de cada tipo importadas especialmente nos permitiu concluir que nada substituía o francês, mais intenso, refinado, delicado.
Mas de que florestas, de que granulometria, que grau de porosidade?
A decisão foi Never e Alliers, as medianamente porosas, evitando as feitas com duelas serradas, para evitar vazamentos.
A partir daí parece que o binômio aço inoxidável / barrica se transformou na fórmula mágica para elaborar vinhos tintos de qualidade.
O que quero discutir é se isso é suficiente, se é assim que se atinge qualidade superior.
Me preocupa, em especial nos novos empreendimentos nos quais o “retorno de capital” é calculado em planilhas, matematicamente, a variável TEMPO não seja considerada fundamental.
E aí volta a minha memória a importância do recipiente de madeira de maior tamanho. Porque?
A barrica é fantástica, mas pelo pequeno tamanho os vinhos que passam por ela devem depois, necessariamente, serem envelhecidos na garrafa por menos um ano. Caso contrário o aroma e sabor do carvalho abafará a tipicidade, o caráter varietal, a naturalidade do vinho.
Carvalho muito marcante cansa, satura, impregna e muitas vezes a barrica se nivela aos chips. Se não houver paciência ou capital ou vontade de envelhecer o vinho antes de comercializa-lo, é melhor evitar a barrica nova por longos períodos.
O inoxidável é fantástico, neutro, protetor, seguro, mas impede a maturação que deve ser feita, nestes casos, através de sucessivas trasfegas com as consequências que conhecemos.
Acho que, repetindo minhas palavras do inicio deste artigo, continuo aprendendo, observando e entendendo.
Seria ótimo dar mais importância à madeira de carvalho de maior volume, superior a 1 ou 2 mil litros. Guardar vinhos tintos nestes recipientes ao longo dos anos permitirá voltar um pouco aos velhos tempos onde a corrida era pela qualidade, pelo sabor cativante, convidativo, onde a casta comandava o espetáculo.
Menos álcool, menos madeira, menos fruta, mas sim UM POUCO DE TODOS.
Os Bajda ainda estão em Mendoza produzindo toneis, redondos, ovais, lindos, práticos e eficientes.
Quem sabe alguém tome a dianteira?
Assinar:
Postagens (Atom)