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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Sempre é tempo de melhorar



Tem poucos mercados tão competitivos como o de vinhos brasileiro: não há marcas predominantes, o número de tipos, origens e classes de vinho é tão imensa que o consumidor se deleita escolhendo. Pode optar pelo país, região, zona, tinto leve, encorpado, novo, envelhecido, com madeira, sem ela, etc.

Porém muitas das alternativas pouco correspondem à realidade ou a percepção que o interessado tem a seu respeito.

Vamos aos exemplos:

Reservado: o comprador, como é natural ante seu despreparo em relação a regras e disciplina, entende que é um vinho especial, “escolhido” a dedo, talvez de uma reserva especial do dono da vinícola ou do enólogo. Vale a pena comprar.

Reserva: pelo pouco que ele entende, este vinho é produzido em mais tempo, passa por madeira, fica na garrafa, ganha complexidade, fica maravilhoso. Apesar de um pouco caro, vale a pena comprar.

Gran Reserva: este sim que deve ser um néctar dos deuses, caros, mas sendo chileno ou argentino vale a pena.

Vamos as definições legais existentes destes tipos de vinhos:

NA EUROPA: Considerando os critérios dos principais:

Não existe o vinho Reservado, envelhecimento total mínimo de TRÊS ANOS para Reserva e CINCO ANOS para Gran Reserva.

NO CHILE: Permite o uso da palavra Reservado, mas não o classifica. Nenhuma exigência de tempo mínimo, nem de maturação, envelhecimento ou permanência na garrafa no Reserva e Gran Reserva. Somente maior graduação alcoólica que a exigida para os vinhos normais.

NA ARGENTINA: Não reconhece o tipo Reservado e exige UM ANO de envelhecimento total sem especificar onde para Reserva e DOIS ANOS para Gran Reserva

NO BRASIL: Estes tipos não eram tratados na legislação até que, em fevereiro de 2018, representantes do setor (autores desconhecidos) e o Ministério da Agricultura, decidiram incorpora-los e para tal fim, optaram por copiar o que de pior existia nas definições de nossos vizinhos.

O fizeram através da IN-Instrução Normativa Nº 14 que assim dispões:

Reservado: é o vinho pronto para o consumo, com graduação alcoólica mínima de 10% em volume e no qual é permitida a chaptalização nos limites legais que é de 2% em volume.

Ou seja, em teoria, é permitida a elaboração desta preciosidade com uvas com teor de álcool de 8%.
A partir do segundo ou terceiro mês posterior a colheita, estes vinhos tão reservados poderão estar no mercado.
E o que é pior, foi legalizado um tipo de vinho exclusivamente chileno que invade nossas prateleiras a preços absurdamente baixos.
Milagre? Não, uso de uvas de altíssima produtividade.

Reserva: envelhecimento (?) total de UM ANO, com graduação mínima de 11% em volume e permitida a chaptalização até um máximo de 1% em volume.

Perfeito, legalizamos nossos vizinhos porque convenhamos, um ano de envelhecimento e nada é a mesma coisa. O mercado pode ficar feliz, os vinhos Reserva de 2020, a safra tão festejada, estarão no mercado em março de 2021.

Gran Reserva: envelhecimento mínimo de DEZOITO MESES, dos quais SEIS MESES em madeira adequada de capacidade máxima de 600 litros. Graduação mínima de 11% em volume e vedada (ainda bem!) a chaptalização.

Conseguimos criar algo pior que Argentina, somente 18 meses de envelhecimento.

Fica clara a falta de seriedade e o descaso com o consumidor que é induzido a pensar que estas expressões nos rótulos frontais dos vinhos do Brasil, da Argentina e do Chile, destacadas, logo abaixo da marca, correspondem a vinhos mais trabalhados, de melhor qualidade, que são muito superiores aos outros vinhos NORMAIS.

Não contentes com a produção de bobagens, o setor solicitou a criação de um novo tipo de vinho, o NOBRE.

A ideia parece perfeita, seria necessário criar este tipo que teria maiores exigências de envelhecimento, tipos de uva, produtividade por hectare, técnicas de elaboração, etc.

Contrariamente a isso criou-se um novo absurdo baseado exclusivamente na graduação alcoólica em patamares que se aproximam dos licorosos.

Vinho Nobre: vinho de viníferas (ainda bem!) com graduação alcóolica compreendida entre 14,1% e 16% em volume. É vedada (ainda bem!) a chaptalização.

Quais os fundamentos técnicos que baseiam a criação na lei deste tipo de vinho?
Porque entender que somente um vinho com graduação superior a 14% pode ser Nobre?
Porque não ter fixado a graduação entre 13% e 15%?
Será possível que a Serra Gaúcha, com sua dificuldade em maturar as uvas, possa elaborar este vinho?
Porque não há nenhuma outra exigência de produtividade das uvas, variedades, uso de madeira alternativa, tempos de envelhecimento, etc?

Se perdeu uma grande oportunidade de melhorar a legislação, o ambiente de trabalho de enólogos e produtores e em especial contribuir para a transparência comercial evitando a concorrência predatória.

Eu gostaria de colocar a discussão, a atualização da legislação de vinhos brasileira para todos os interessados.

Os pontos que eu defendo são:

1. Imediata anulação da IN-14 através de uma nova IN que:

a. Desconheça o vinho RESERVADO. Não poderá ser produzido nem circular no Brasil nenhum vinho que leve essa palavra no rótulo. O Regulamento Vitivinícola do Mercosul não o contempla.

b. Criar os tipos RESERVA e GRAN RESERVA com outras exigências maiores mas próximas das aplicadas na Europa. Os vinhos importados com essa classificação nos rótulos deverão cumprir as novas exigências.

c. Criar o tipo NOBRE com exigências mais rigorosas, determinando uvas permitidas, produtividade por hectare, ciclos mínimos de produção.

d. Chaptalização: estabelecer um prazo máximo de DOIS ANOS para entrada em vigor da proibição da chaptalização de vinhos Finos, Leves, Reserva, Gran reserva e Nobre.

e. Obrigar a declaração no rótulo quando os vinhos são tratados com madeiras alternativas como chips,etc. Poderiam declarar “aromatizados com madeira alternativa” ou “uso de madeira alternativa”

f. Melhorar as definições de tipos de espumantes:

i. Estabelecer ciclos mínimos de produção nos espumantes elaborados pelos métodos charmat e tradicional.

1. Charmat: com exceção de Moscatel Espumantes: SEIS MESES.
2. Tradicional: mínimo QUATORZE MESES.

Entende-se como ciclo de produção o período compreendido entre o tirage e o engarrafamento no método Charmat e entre o tirage e o dégorgement para o método Tradicional.

Justificativa: Dar um pouco mais de equilíbrio aos nossos espumantes.
No tradicional seria a somatória de 12 meses em contato com leveduras e 2 meses para remuage.

ii. Alterar os teores de açúcares em g/l dos espumantes para

1. Nature: de zero a 3
2. Extra brut: 3,1 a 6
3. Brut: de 6,1 a 12
4. Seco: de 12,1 a 20
5. Demi-sec: de 20,1 a 60
6. Doce: superior a 60

Justificativa: A acidez de nossos vinhos bases possibilitam elaborar espumantes Brut com teores menores de açucares. É necessário valorizar este tipo que é o mais comercializado.

iii. Aumentar a graduação alcoólica máximo dos espumantes de 13% para 13,5%.

Justificativa: Na região da Campanha, em determinadas safras é difícil manter a graduação final inferior a 13%.

g. Criação dos tipos
i. Vinho Vegano: o que não recebeu durante o todo processo de elaboração nenhum tratamento com produtos de origem animal.

ii. Vinho Orgânico: seguir as exigências mundiais, uvas orgânicas certificadas, sem uso de leveduras selecionadas, sem uso de clarificantes, sem uso de SO2.

iii. Vinho Biodinâmico: seguir as exigências mundiais.

Justificativa: Estes vinhos já estão presentes no mercado brasileiro e urge criar regras para disciplinar eles, caso contrário o consumidor fica exposto e produtos duvidosos e a categoria é prejudicada.

Com certeza poderia acrescentar mais algumas mas entendo que é minha contribuição inicial.

Espero que motive meus colegas enólogos, produtores, comerciantes e apreciadores a discutirem em seus respectivos núcleos de atuação estas e outras sugestões que contribuam a melhorar as condições de participação no mercado.


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