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domingo, 25 de março de 2018

O que era omisso ficou confuso




Todas as legislações vitivinícolas do mundo procuram, nos capítulos relacionados a classificação dos vinhos, definir estes em função de diferentes parâmetros, sempre procurando estimular a qualidade e a superação de desafios, mas principalmente proteger o consumidor com regras claras e possíveis de serem cumpridas.

Para algumas como por exemplo os prazos mínimos de maturação ou envelhecimento, a legislação deve estabelecer as ferramentas de controle e/ou certificação necessárias.

A legislação brasileira sempre foi omissa, a tal ponto, que define os vinhos em somente duas categorias relacionadas ao tipo de uva:

Mesa: elaborados com qualquer tipo de uvas, das espécies labrusca (uvas americanas) ou vinífera (uvas europeias).

Fino fino: elaborados exclusivamente com uvas da espécie Vitis vinífera e com graduação alcoólica de 10% a 14%.

Apesar disto, e sem nenhum tipo de impedimento, algumas cantinas já utilizavam os termos Seleção, Reserva, Gran Reserva, Ícone, Premium, Super Premium deixando por conta do consumidor a definição dos mesmos.

Claro que este consumidor imagina que todas estas palavras constantes nos rótulos indicam algum tipo de qualidade especial. Ledo engano, nenhuma regra existia na legislação. E digo no existia, porque agora, através da Instrução Normativa Nro. 14 de 8 de fevereiro de 2018, o Ministério acaba de definir algumas categorias num verdadeiro esforço de imaginação. Para mim, o que era omisso, agora ficou confuso.

Vamos ao que é mais importante nesta Instrução.

Artigo 30: Em função de características adicionais de qualidade, o vinho fino e o vinho nobre (logo falaremos dele já que é um novo tipo), produzidos em território nacional, podem ser classificados como:

Inciso 1º: Reservado: vinho jovem pronto para consumo, com graduação alcoólica mínima de 10% vol.

Inciso 2º: Reserva: quando o vinho com graduação alcoólica de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 12 meses (tintos) ou 6 meses (brancos) sendo facultada a utilização de recipientes de madeira apropriadas.

Inciso 3º: Gran Reserva: quando o vinho com graduação mínima de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 18 meses (tintos) ou 12 meses (brancos) sendo obrigatória a utilização de recipientes de madeira apropriada de no máximo seiscentos litros de capacidade por no mínimo 6 meses (tintos) ou 3 meses (brancos).

Em relação a chaptalização é permitida em até 2% nos Reservados, 1% no Reserva e vedada para Gran Reserva.

Artigo 34: São classificados e denominados Vinhos Nobres, aqueles elaborados no território nacional exclusivamente a partir de uvas da espécie Vitis vinífera que apresentarem teor alcoólico de 14,1% vol. a 16% vol.
Neste vinho é vedada a chaptalização e pode ser seco, meio doce e suave ou doce.

Acredito que esta categoria, válida, deveria ter como primeira limitação as variedades de uva permitidas. Não todas as Vitis Viníferas, somente aquelas com potencial para vinhos com essa denominação. Quais? A serem discutidas.
Sobre a graduação alcoólica me parece fora de proposito estabelecer um máximo de 16% vol. graduação mais apropriada para vinhos licorosos. O correto teria sido aumentar a graduação dos vinhos Finos em geral para 15% vol e estava resolvida a questão. Sobre os teores de açúcares deveria ser somente seco.

A própria Instrução parece admiti-lo ao estabelecer em seu artigo 108 que “as bebidas alcoólicas, exceto as fermentadas, com graduação alcoólica superior a 15% vol. poderão conter em sua rotulagem a expressão bebida alcoólica espirituosa”.

Na minha opinião, com esta Instrução Normativa foi perdida uma grande oportunidade para estabelecer regras de “superação”.

A opção foi legalizar o comodismo e manter a oferta de vinhos nacionais mais confusa o que a meu ver é um tiro no pé.

Também se perdeu a oportunidade de classificar os vinhos das novas tendências conhecidos como Orgânicos, Naturais, Biodinâmicos, etc.
Estabelecer regras, padrões em especial em relação ao uso de SO2, etc. Hoje a liberdade é total e não há parâmetros igualando bons produtores dos aproveitadores.

Analisemos todas as novas categorias:

Reservado: categoria absolutamente dispensável porque só cria confusão, nada agrega e parece ter sido feita para dar cobertura à montanha de vinhos chilenos que chegam com essa categoria proibida em quase todos os países do mundo.
Mostra que os critérios não foram nada técnicos.

Reserva: Começa errada ao estabelecer somente 11% vol. como graduação alcoólica. Se nela é permitida a chaptalização de 1% vol. é porque estão admitindo fazer este tipo de vinho com uvas com açúcar potencial de 10%, verdes, inadequadas para a qualidade que se espera de um vinho Reserva.
A graduação mínima exigida deveria ser entre 12,5 e 13% vol. e proibida a chaptalização (verdadeiro freio da qualidade superior).

Continua errada ao exigir somente um “envelhecimento” de 12 meses para os tintos e 6 para os brancos. Significa dizer que todo vinho poderá ser considerado nesta categoria após um ano de elaborado. Ridículo, TODOS OS VINHOS PASSARÃO A SER RESERVAS e a categoria perderá todo e qualquer valor.

Vejamos como a Espanha, pais no qual esta classificação é mais clara, os define:

Reserva: vinhos envelhecidos por pelo menos 36 meses sendo no mínimo 12 meses em barricas de carvalho.
Ou seja, os vinhos Reserva tem de ser mais maturados e envelhecidos o que os leva a ser mais encorpados, robustos, alcoólicos.

GRAN RESERVA: acompanha o equívoco começado no RESERVA.

Na Espanha, são 60 meses sendo que 18 nas barricas. No Brasil, 18 meses total, sendo 6 em barricas. Ridículo, continuaremos tendo uma legislação permissiva e fraca, infelizmente.

Não achei, e se alguém sabe agradecerei me informe, como serão controlados os prazos estabelecidos de maturação e envelhecimento.
Seria muito bom se o Ministério credenciasse uma ou mais empresas certificadoras para que fossem as responsáveis de controlar estes prazos.
Se não o consumidor continuará sendo vítima dos aproveitadores.

Se a classificação dos vinhos não é estímulo à superação de viticultores e vinicultores, procurando menor produtividade, uvas mais sadias e maduras e métodos de elaboração com ciclos mais longos onde sabidamente o vinho ganha complexidade, amabilidade e firmeza, o resultado continuará sendo mediano, haverá avanços qualitativos somente nos vinhos produzidos por vinícolas sérias, que procuram incessantemente a qualidade superior.

Mas infelizmente, devido a legislação fraca, seus produtos serão “igualados” aos de produtores inescrupulosos que utilizam todo e qualquer mecanismo para oferecer vinhos baratos, gostosinhos, com sabores e aromas de chocolate, melosos, biônicos.

Estes continuarão usando os habituais chips que se transformam em românticas barricas em seus charmosos rótulos.

Acorda vitivinicultura do Brasil!!!

quinta-feira, 1 de março de 2018

Beber e apreciar




Meu livro "Vinhos e Espumantes, elaboração, degustação e serviço" editado em 1996, foi resultante das apostilas e lâminas de retroprojetor (alguém lembra deste equipamento revolucionário na época para dar aulas?) acumuladas desde 1988 nos Cursos de Degustação organizados na sede da Cantina De Lantier em Garibaldi.

Foram anos magníficos do despertar da curiosidade do brasileiro em relação aos "tabus e mistérios" que envolviam o vinho.
Entendi que minha missão seria desmistificar estes conceitos que, a meu ver, distanciavam o consumidor do vinho, o amedrontavam, o tornavam vítima do dessaber.

Naquela época já insistia que o vinho não tem mistérios, é natural, é da terra, é da região com seu clima e características, é feito pelo homem auxiliado pela natureza. Destacava que justamente por ser da terra, da região, era diferente das outras bebidas por ser diferente entre si.

Como achar melhor um Cabernet Sauvignon importado do que um nacional?
Nem melhor nem pior, diferentes.

E esse é o maior valor do vinho, ser capaz de ser diferente pela uva, pela região, pela idade, pela técnica de elaboração, pela decisão indiscutível do enólogo ao engarrafa-lo.

Complicado? Não, amplo, desafiador, infinitamente variável.

Gosta de produtos mais padronizados, mais "iguais"?
Quem sabe não bebe refrigerantes ou as bebidas fabricadas?

O vinho é elaborado.

Ante este desafio que é falar de um produto tão simples, mas tão variável, nós responsáveis pela divulgação do vinho e dos espumantes, temos de fazer todo o possível para não complicar com regras rígidas, sejam operacionais (temperatura, tipo de copo, decanter, arejamento, horário, harmonização, etc.) ou de postura (como tomar o copo, quanto encher, como cheirar, como engolir, bla, bla, bla.). Não é a única forma de beber vinho.

Em meu livro em 1996 já recomendava separar o ato de "tomar vinho" do ato de "apreciar vinho". Faze-lo nos ajudará a sair da camisa de força que alguns "prêmios nobels" da enologia insistem em nos colocar.

Simplifique o ato rotineiro de "tomar vinho"

Ou seja, beba vinho na hora que quiser, no copo que tiver, misturado ou não.
O vinho é e sempre será a única bebida capaz de satisfazer a sede do corpo e da alma.

Devemos lembrar que o consumo de vinho diluído ou misturado com água e/ou gelo permite a alguns países tradicionais manter elevado o consumo per capita e ainda educa o paladar aos sabores típicos do vinho.

Alguma vez experimentou o refresco de vinho (com água gaseificada e gelo) num dia quente, como substituto de uma eventual cerveja?

Nunca esquecerei quando nas visitas que fazia a minha família lá pelos anos oitenta, tinha encontros com meu cunhado Diego, longos, demorados, lentos, ao redor da mesa familiar onde repousava um garrafão de Malbec comprado por "chirolas" no armazém da esquina.

O bebíamos com naturalidade, num copo de vidro parecido aos de geleia, acompanhado de um pão caseiro dividido com a mão, um queijo "fresco" e um salame cortados a faca.
Eram horas e horas, divertidas, alegres, que passavam sem perceber.
O vinho? "Um malbec, se faltar pego outro garrafão" dizia o Diego.

Valorize o ato especial de "apreciar um vinho"


Reserve para estas ocasiões as pequenas regras que permitirão aproveitá-lo ao máximo.
Neste caso sim são importantes tipo e tamanho do copo, temperatura correta, abertura antecipada, sequência correta, etc.

Saber apreciar vinhos exige um mínimo de investimento pessoal, como tempo, dedicação, interesse e, principalmente, humildade para nunca achar que já conhece tudo.

O caminho passa invariavelmente pelo consumo habitual, quase diário.

Proporcione ao vinho as mínimas condições para que possa lhe oferecer o melhor de si.

Certamente jamais se arrependerá disso.