quarta-feira, 6 de março de 2013

A Serra Gaúcha que eu conheci 1



Os quarenta anos de atuação no setor vitivinícola gaúcho, completados em janeiro de 2013, me permitiram ser testemunha dos esforços feitos na melhoria da qualidade dos vinhos e espumantes brasileiros na Serra Gaúcha.

Decidi escrever sobre este tema porque existe a ideia equivocada que a qualidade dos vinhos gaúchos somente melhorou a partir da década de noventa.
Na realidade foi e continua sendo um processo lento, dispendioso em esforços humanos e financeiros.

Cheguei ao Rio Grande do Sul em janeiro de 1973 para iniciar um empreendimento da Martini e Rossi (aquela do vermute) na cidade de Garibaldi direcionado à elaboração de espumantes pelo método charmat. Contratou-me em Mendoza o enólogo Carlos Gonzalez que apos cinco anos no Brasil estava voltando para Argentina. A decisão final sobre minha vinda coube a Francesco Reti, presidente da Martini e a pessoa mais admirável que conheci, um visionário, motivador, com uma fé enorme no futuro dos espumantes no mercado brasileiro.

Minha primeira tarefa, paralela à construção da cantina, era acompanhar a produção e engarrafamento do Château Duvalier, marca de propriedade da Martini e Rossi lançada em 1966 e que era campeão de vendas de vinhos finos nessa época com mais de 600 mil caixas de 12 unidades ao ano. Nos tipos tinto, branco e rosado demi-sec este vinho era produzido na Companhia Vinícola Riograndense de Caxias do Sul.

A magnífica rede de distribuição da Martini levou o Château Duvalier aos locais mais recônditos e o transformou no primeiro vinho gaúcho presente em todas as mesas. Encontrava este vinho no botequim da esquina ou no restaurante do Terraço Itália, considerado o mais requintado de São Paulo.

Apesar das críticas feitas a este tipo, o rosado foi a porta de entrada de muito consumidor novo.

Sempre afirmei que o vinho rosado demi-sec era na época o caminho intermediário entre um guaraná e um cabernet.

A Vinícola Riograndense para quem não lembra, produzia os vinhos Granja União cujo Merlot foi o primeiro varietal gaúcho. Danilo Calegari e Mario Pasquali eram os dois enólogos que comandavam com muita competência a cantina que era, junto com a Cooperativa Garibaldi, uma das maiores do país. O setor de viticultura era comandado pelo agrônomo Onofre Pimentel, um homem extremamente competente, sério e dedicado com o qual comecei a entender melhor a viticultura gaúcha.
Pimentel foi um agrônomo fantástico que teve a visão de indicar Pinheiro Machado na Serra do Sudeste como região excelente para plantar uvas finas e onde a CVRG adquiriu uma propriedade de quase 300 ha. Eram deles os vinhedos que hoje pertencem a Serrasul de Flores da Cunha.
As instalações da CVRG eram muito completas apesar de pouco modernas. A filtração dos vinhos era através de filtro de massa que na Argentina já tinham sido substituídos pelos de terras e de placas. Os reservatórios que predominavam eras as pipas de madeira (tronco-cônicas) donde predominavam pinho, imbuia e canafistula. Para evitar a transmissão de gosto de pinho estas pipas eram parafinadas à quente na construção.

Infelizmente a CVRG na década de noventa passou por problemas muito sérios de sucessão diretiva que a levaram ao feche definitivo. O Rio Grande do Sul perdia uma referencia da vitivinicultura nacional.

Meu primeiro referencial

Provando os diferentes vinhos finos produzidos na Serra um me chamou a atenção de forma especial: o Cabernet Château Lacave, feito pela vinícola do mesmo nome de Caxias do Sul.
Era excelente, elegante, sem artifícios, magnífico representante do Cabernet Franc gaúcho.
Imediatamente o tomei como referencia: se alguém elaborava um vinho desta qualidade então era possível com boas uvas, conseguir nível semelhante.
O proprietário do Château era Juan Carrau, um uruguaio visionário que chegara ao Brasil com o propósito de elaborar bons vinhos e o lograra com perfeição.
Tive o privilegio de conviver com Carrau durante muitos anos e aprendi a admira-lo pela sua honestidade e conhecimento. Com esta cantina e a Chandon constituíamos o maior grupo comprador de uvas finas e por tal razão nos momentos prévios à colheita estabelecíamos os critérios de prêmios de estímulo à qualidade.
Infelizmente a vinícola Château Lacave, pelo falecimento prematuro de Juan Carrau, passou a outras mãos e deixou de cumprir o papel importante no futuro da vitivinicultura gaúcha a ela reservado.

Foi outra perda importante do setor.

3 comentários:

  1. Estimado Adolfo Lona

    Interessantíssimo o texto que escreveste, além de bonito e até emocionante.

    Nada melhor que começar o dia lendo um de seus excelentes artigos. Uma ótima resenha da história vitivinícola gaúcha

    Parabéns e um forte abraço

    Tiago Bulla

    ResponderExcluir
  2. Caro sr. Lona.
    Para que se mensure a capacidade alcance da distribuição do Chateau Duvalier por exemplo, lembro-me do meu irmão ainda aos 4 anos, lá no longinquo 1976, ele decorou uma propraganda que meu pai fazia sobre o vinho que dizia +ou- assim: "Este é o Chateua Duvalier, branco, tinto e rosê, engarrafado em toneis de carvalho.....e por aí vai, mas o interessante era o lacal onde moravamos, à mais de 100 km da Capital do rio grande do norte, Natal.
    Realmente naquela epoca esse vinho foi consumido de Norte à Sul e vice versa, deste Pais.
    Bela Reportagem. Uma doce lembrança me trouxe

    ResponderExcluir
  3. Olá amigo, eu tenho um vinho Château Duvalier Safra 1994 Branco, e não consigo descobrir se é bom e qual o valor dele, pois sempre guardei conforme discrição no rótulo (horizontal e temp. 8° e 10°, porém só a temperatura não foi possível manter), você poderia me dar uma luz?

    ResponderExcluir