terça-feira, 22 de outubro de 2013

Enólogo, esse romântico.




Por conta de noticias em jornais, blogs e revistas a cultura da uva e do vinho ganhou seu merecido destaque. As numerosas informações sobre tipos de uva e vinhos, regiões produtoras, benefícios à saúde e serviço resultaram na valorização da figura do enólogo que é o profissional responsável pela elaboração desta milenar bebida.
A valorização chegou a tal ponto que algumas pessoas que escrevem, dão opiniões, palestras, degustam milhares de vinhos anualmente e os classificam ficam felizes quando equivocadamente são chamadas de enólogos.

Meu velho amigo Luiz Groff já diferenciava a pessoa que gosta de vinhos de quem os faz com a seguinte frase:

Enólogo é o sujeito que perante o VINHO, toma DECISÕES.
Enófilo é o sujeito que perante as DECISÕES toma VINHO.


Enólogo é o profissional que elabora, produz, participa do processo de transformação da uva em vinho e somente é habilitado a desempenhar esta função de forma reconhecida pelos organismos de controle, se é formado numa instituição de ensino específica da enologia ou engenharia agronômica.

A valorização da enologia criou algumas fantasias associadas ao lado romântico desta profissão que é importante esclarecer. O faço em homenagem a todos os enólogos do mundo.

O enólogo, apesar do aparente glamour de suas tarefas, vive a expectativa do desempenho do clima que afeta a qualidade da uva muito antes da colheita. Alias, somente na época do repouso invernal quando a videira descansa ao abrigo do frio, ele fica despreocupado com ela. Lógico que um pouco angustiado se este descanso é breve.

No inicio do período vegetativo a tensão aumenta. Frios tardios, chuvas ou ventos em excesso podem afetar o broto nascendo, a floração, a fecundação, o nascimento e crescimento do cacho com seus pequenos grãos que ganham tamanho, peso, mudam de cor, a casca fica translúcida e a maturação chega. Passaram longos quatro ou cinco meses. Aparentemente a angustia acabou. Não. A maturação final até a colheita é uma fase onde sol, luminosidade, amplitude térmica e chuvas são variáveis importantíssimas que definem as características do fruto e do vinho.

Quando a uva chega na cantina conforme planejado o enólogo começa sua tarefa, arregaça as mangas e se concentra na difícil missão de aproveitar ao máximo o potencial da matéria prima.
Já idealizou o estilo de produto a elaborar e sabe que todo cuidado é pouco, ao final é um processo microbiológico natural, sensível, vivo.
Um erro pode ser fatal e sabe que como na velha canção, “pau que nasce torto, morre torto”. É fácil arruinar um vinho de qualidade, é impossível arrumar um vinho defeituoso.

Durante a elaboração é importante cuidar da higiene de instalações, equipamentos e reservatórios, do bom uso e perfeito funcionamento das máquinas que processam a matéria prima, do sistema de refrigeração e outros recursos além de controlar que as tarefas sejam executadas conforme planejadas. Planejar no papel é fácil, executar com precisão mais difícil.

Ao fim da elaboração aparentemente tudo acaba mais não é bem assim. Começam os cuidados do vinho novo, das trasfegas, dos tratamentos quando necessários e dos atestos que tem por finalidade dar o primeiro acabamento que permitirá enfrentar o inverno com segurança.

Atestos, que é isso? É uma tarefa fundamental e quase diária que consiste em verificar em cada reservatório onde é depositado o vinho quer esteja perfeitamente cheio impedindo o contato com o ar. Parece irrelevante mas em geral é a causa principal do deterioro de alguns vinhos.

Começou a perceber que a função do enólogo, por lidar com um produto vivo, é cheia de armadilhas e que às vezes não tem nada de romântico?

Ao final chega o grande desafio que é a decisão do produto que será colocado na garrafa.

Na penumbra da cantina deve decidir, por exemplo, se aumenta a porcentagem de Merlot que aporta elegância mais retira algo de estrutura no assemblage de seu Cabernet Sauvignon de guarda ou não.
Como não é uma ciência exata a enologia exige do profissional o máximo de sua sensibilidade e experiência.

O fato de que a cada ano tudo recomeça na safra é uma dádiva já que permite ir aprimorando os procedimentos que conduzem à qualidade superior.

Apesar das exigências da profissão nada diminui o imenso prazer de acompanhar a evolução e crescimento qualitativo de um vinho por ele elaborado, com sua cara, com sua assinatura.

Cada vinho é como um filho? De certa forma sim, alguns demoram alguns meses para nascer, outros muitos anos.

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