Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
A entrevista na íntegra
1. - O que representa para o senhor completar, em 2013, 40 anos de contribuição com o desenvolvimento da vitivinicultura brasileira?
Representa o orgulho e a satisfação de comprovar que tudo o que poderia ter feito de certo e errado eu fiz.
Poder ser testemunha de toda a transformação que a vitivinicultura brasileira teve nestas quatro décadas é um privilegio.
Até hoje procuro através da minha pequena empresa de assessoria enológica participar da experiência de acompanhar o surgimento de novas regiões . Atualmente presto serviços a duas vinícolas: Peruzzo de Bagé e Batalha de Candiota com as quais continuo aprendendo muito e ensinando o que está ao meu alcance.
2. - O que o senhor aprendeu nesses 40 anos?
Meus quarenta anos de Brasil foram de constante aprendizado e até hoje aprendo com os consumidores, aprendo com meus distribuidores, aprendo com meus colegas enólogos. Devo lembrar que quando cheguei ao Rio Grande do Sul tinha somente 24 anos e apesar da minha experiência na elaboração de espumantes, estava acostumado a praticar a enologia argentina na qual o envolvimento do profissional com as tarefas de cantina é limitado. De imediato tive de arregaçar as mangas e aprender como funcionava uma bomba, um filtro, uma linha de engarrafamento para ensinar os novos funcionários que nada sabiam. Tive de conhecer a realidade nos vinhedos, me envolver, pesquisar, testar, errar, acertar, em fim me aperfeiçoar nas mais diferentes áreas.
Minha carreira na De Lantier, empresa de ponta do setor foi muito rica em experiências técnicas tanto na área de viticultura como enologia. Quando assumi a Diretoria de Operações na Bacardi e posteriormente a Diretoria da Casa Vinícola De Lantier, me envolvi com áreas com as quais até esse momento pouco conhecia como a área comercial e de marketing o que me proporcionou um enorme aprendizado do mercado brasileiro de vinhos e espumantes. Tive oportunidade de aprender também o que não deve ser feito. Tudo me ajudou a começar minha carreira solo em 2004 com os pés no chão.
3. - O Sr. poderia falar dos pontos mais marcantes da evolução da vitivinicultura no Rio Grande do Sul e no Brasil nestes últimos 40 anos?
A vitivinicultura gaúcha que de certa forma representa a vitivinicultura brasileira, teve a meu ver duas fases importantíssimas que infelizmente não se complementaram.
A fase que chamaria de precursora da década de setenta a meados da noventa, quando a influencia de empresas estrangeiras que se instalaram no RS, como Martini e Rossi, Chandon, Forestier e Heublein transformou totalmente a estrutura produtiva de vinhos. Em poucos anos a região progrediu décadas incorporando a mais moderna tecnologia que nem Argentina nem Chile possuíam. O resultado foi uma melhora extraordinária na qualidade dos vinhos, em especial dos brancos e espumantes que são mais sensíveis a esta variável. As empresas internacionais colocaram o vinho gaúcho nos melhores restaurantes e a distribuição dos mesmos ocupou todo o território nacional. Infelizmente estas empresas desistiram e não conseguiram fazer a mudança na viticultura que a região precisava.
A fase atual desde a segunda parte da década noventa até os dias de hoje se caracterizou pelo surgimento das empresas que sucederam as multinacionais que deixaram a região. Estas empresas, muitas delas pequenas e familiares, alteraram momentaneamente o perfil produtivo de vinhos na região e criaram a expectativa do surgimento de uma nova vitivinicultura. Infelizmente a luta pelo mercado cobra seu preço e algumas delas que felizmente são minoria, atraídas pela entrada das novas tecnologias entre as quais destacaria o uso de chips, escolheram produzir o vinho padrão, muito igual, sem graça. Outros, de forma admirável, se esforçaram em produzir seus vinhos com estilo próprio, preservando o caráter regional, de cada casta, de cada talhão. Esta nova fase produtiva resultou em volumosos investimentos em vinhedos, agora em espaldeira, direcionados a vinhos de qualidade e equipamentos modernos para recepção de uvas, elaboração de vinhos, armazenamento e conservação de vinhos e madeira nobre. Nesta fase atual o setor perdeu mercado por falhas nas estruturas de distribuição e a falta de foco no trabalho de imagem do vinho nacional que tão bem faziam as multinacionais.
4. - Quais foram os erros e acertos da vitivinicultura brasileira nestes 40 anos?
Os grandes acertos foram: continuar investindo em novas regiões para o plantio de uvas de qualidade como Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Livramento e outras, incrementar o plantio de espaldeira na Serra, acreditar nos espumantes, investir com força em novas instalações e equipamentos, acreditar que o Brasil tem condições de produzir vinhos e espumantes de qualidade, dignos da região.
O grande erro foi não ter lutado o suficiente para conseguir unir o setor. Quem produz uvas e vinhos tem tendência a ser individualista, defender o seu esquecendo o coletivo. Nestes quarenta anos fui testemunha da influencia nefasta de alguns líderes que infelizmente se revezam e que às vezes são competentes da porta da cantina para dentro. As entidades representativas do setor pensam pela cabeça dos grandes e desconhecem a importância dos pequenos. A perda de mercado do vinho nacional em relação aos importados é uma demonstração de incompetência associada a desunião. Temos vinhos excelentes mas o consumidor não os reconhece.
No lugar de trabalhar juntos, unidos em favor do reconhecimento da qualidade, da imagem de nossos vinhos, as cabeças pensantes decidiram criar pequenos monstros que pouco ajudaram como o selo fiscal e a falida tentativa de criar salvaguardas.
A carga tributária, a burocracia, a incorporação do setor no sistema SIMPLES e a falta de atualização da legislação deveriam ser os focos principais das entidades representativas.
O Ibravin, principal entidade do setor, está fazendo um excelente trabalho de divulgação da qualidade dos vinhos nacionais no mercado participando em férias, promovendo circuitos de degustação, etc. Falta maior agressividade no combate aos eternos gargalos como os citados acima que impedem o crescimento em especial dos pequenos produtores. Ao Ibravin ainda está reservada a tarefa de unir pequenos, médios e grandes produtores através de um projeto de ações que resultem num ganho de competitividade para todos, para aqueles que buscam grandes volumes e para aqueles que preferem produções pequenas, artesanais. Tenho ainda esperança que isso aconteça em breve.
5. - Qual é a importância do espumante brasileiro para o Brasil e para o mercado mundial?
A qualidade dos espumantes do RS, reconhecida no Brasil e no exterior, é uma clara demonstração da nossa capacidade técnica nas áreas de viticultura e da enologia. O Brasil é conhecido no mundo como o país das praias, do clima tropical, do futebol, do carnaval. Não imaginam que num cantinho deste imenso país haja condições climáticas e de solo para produzir uvas e vinhos. Quando conhecem nossos espumantes ficam admirados e isso ajuda à imagem do Brasil como produtor. Devido às condições do clima desfavorável à plena maturação das uvas e a nosso patrimônio vitícola dentro do qual se encontram uvas como Chardonnay e Pinot Noir, nossos espumantes tem um estilo próprio que lembra os originários da região onde tudo começou: Champagne.
6. - Como o senhor descreveria o consumidor brasileiro de espumantes?
Não existe um consumidor brasileiro especial de espumantes. Nenhuma outra bebida se identifica tanto com o espírito alegre, festivo, descontraído e brincalhão do brasileiro como o espumante. Por isso que o consumo aumenta ano a ano. Outro fator importante é a preferencia que a mulher brasileira dá aos espumantes feitos aqui. Se tivesse de descrever um perfil do consumidor brasileiro de espumantes diria que é uma pessoa que se liberou da velha e surrada regra que condenava o espumante a acompanhar somente momentos especiais, festas e comemorações. A festa é a própria presença do espumante, seu perlage, seus aromas envolventes, seu sabor cativante. Isto o brasileiro já descobriu.
7. - Por que o senhor decidiu se lançar em voo solo se dedicando à produção de espumantes?
Decidi abandonar minha carreira numa multinacional quando conclui que não tinha mais o que fazer nela. Ou as empresas tem um mínimo de vocação para participar do mercado de vinhos e espumantes ou se dedicam a outra coisa. A minha antiga empresa é um claro exemplo disso.
Decidi produzir espumantes por acreditar muito no futuro desta magnífica bebida e porque estou convencido que é o que sabemos e podemos fazer melhor. O brasileiro está condenado a beber espumantes porque se identifica com ele e porque boa parte do território tem clima e gastronomia apropriada para seu consumo. O enorme litoral que temos e um campo fértil para o consumo de espumantes. Nossa tarefa é semear essa cultura. O consumo virá.
8. - Quantos rótulos a Lona tem hoje e quantas garrafas produz por ano?
Comercializo 6 espumantes sob a marca Adolfo Lona, 3 pelo método charmat: um brut rosé que é meu campeão de vendas, um brut branco e um demi-sec aromático com moderada quantidade de açúcares, elaborado exclusivamente com uva Moscatel e 3 pelo método tradicional ou champenoise com dezoito meses de ciclo de produção: um Nature branco, um Brut e um Nature rosado com 24 meses de ciclo comercializado sob a marca Orus-Adolfo Lona. Produzo em torno de 65.000 garrafas anualmente, 50.000 pelo método charmat.
9. - Qual é o produto mais importante?
Para mim são todos importantes porque cada um deles leva uma proposta diferente ao consumidor e foram criados graças a muito estudo. O Brut rosé é meu campeão de vendas em todo ao país e o considero o melhor dentro da sua categoria, leve, fresco, agradável, convidativo. O Demi propõe um espumante Moscatel com somente 22 gramas de açúcares tornando-o gastronômico. Nosso Nature é amável apesar de ser zero de açúcares e o considero à altura dos grandes espumantes do mundo. Já o ORUS, nature rosado com vinte quatro meses de ciclo é meu maior orgulho pela opinião favorável que os maiores especialistas dos pais têm sobre ele. Elaboro somente 600 garrafas por ano deste espumante das quais bebo a metade com amigos e visitantes da minha pequena produtora.
10. - O senhor prefere trabalhar com o método charmat ou champenoise?
Prefiro o método tradicional porque é mais desafiador, é de ciclo mais longo e por isso o que proporciona maiores mudanças no produto durante todas suas fases. Acompanhar a evolução de um espumante durante quase dois anos quando passa as fases da tomada de espuma e maturação e fascinante. Enfrentar e vencer com êxito o desafio de fazer um assemblage (mistura de diferentes vinhos e variedades) que resulte num espumante de qualidade superior, digno da Serra Gaúcha é uma tarefa que realiza pessoal e profissionalmente qualquer enólogo.
11. - O que diferencia esses dois métodos em termos de qualidade do produto final?
A grande diferença não é qualitativa já que em ambos o produto final tem de ser perfeito. A diferença é de estilo.
No método charmat clássico com ciclo aproximado de seis meses, a função da levedura é limitada como fator que proporciona grandes mudanças no produto final desde o ponto de vista olfativo e gustativo. O espumante elaborado pelo método charmat é mais fresco, frutado, vinoso. Tem mas a “cara” do vinho base. Nestes espumantes é fundamental o equilíbrio da acidez para que não resultem agressivos. Nos meus espumantes charmat trabalho com vinho base de dois anos.
Já no método tradicional, a longa permanência das leveduras em contato com o vinho base na fase de maturação, quando acontece o primordial fenômeno da autólise que libera alguns aminoácidos, o vinho base incorpora aroma e sabores especiais, que lembram pão torrado, mel, e outros que contribuem na sua amabilidade. O maior desafio neste tipo de espumante é o tipo Nature ou Pas Dosé que não possui açúcares adicionadas no licor de expedição. O vinho base tem de ser especialmente preparado pesando que no final não teremos a ajuda do açúcar que serve como cobertor. No meu tem uma pequena parcela de Merlot em branco que quebra a acidez.
Costumo disser que as diferenças entre os espumantes produzidos pelo método charmat e tradicional ou champenoise são semelhantes às que existem entre o vinho tinto jovem e o envelhecido. Um é mais fresco, vinoso, o outro mais complexo e marcante.
Melhor, pior? Não, diferentes. Cada um é maravilhoso em seu estilo.
12. - O senhor poderia descrever como seria o serviço correto do espumante?
O respeito ao principal componente do espumante que é o gás carbônico é fundamental. Quem não gosta de gás que beba vinho tranquilo. Não condeno os que praticam o “sabrage” que considero uma forma festiva de assassinar um espumante mas prefiro a forma que evite qualquer perda do gás.
É importante conhecer as regras de convivência entre um líquido e o gás carbônico.
O gás se dissolve mais a temperatura baixa e se desprende mais a temperatura alta. Evite os choques de temperatura.
O gás mantêm o volume de dissolução num líquido proporcionalmente à pressão exercida na superfície deste líquido. Parece japonês mas não é. Um espumante tem uma pressão barométrica próxima ás 5 atmosferas e na garrafa não forma espuma porque a pressão na câmara vazia, aquela que existe entre o líquido e a rolha, é também de 5 atmosferas.
Quando retiramos a rolha, a pressão na superfície é zero e a tendência é formar espuma e desprender rapidamente o gás com consequências no volume. Minha recomendação é:
a. Esfrie num balde com abundante gelo durante pelo menos 45 minutos. No balde coloque primeiro o gelo, depois água até metade do balde aproximadamente, homogeneíze a mistura até a água estar bem gelada e depois coloque a garrafa. Desta forma o gelo não grudará e ao esfriamento será rápido. Se quiser agilizar adicione álcool mas tome cuidado porque a temperatura poderá ser negativa e o espumante congelar. Use álcool somente em casos de emergência.
b. Abra a garrafa retirando a cápsula, afrouxando a gaiola (sem retirar) e segurando a rolha firmemente de modo a que saia devagar, sem explosão.
c. Sirva a taça mantendo-a inclinada (para evitar emulsionar) e colocando primeiramente uma pequena quantidade de espumante no fundo da mesma. Deixar esfriar durante alguns segundos após os quais se serve até completar ¾ da taça.
d. IMPORTANTE: Não esfrie a taça em geladeira ou frízer, ficará embaçada. Após o uso lave com detergente somente na boa da taça, o resto com água quente. Retire o resto de detergente com abundante agua. Taças mal enxaguadas, com resíduos de detergente, são as que impedem o perlage, o espumante dá a impressão de estar choco.
13. - O senhor poderia dar sugestões de harmonização com espumantes para entrada, prato principal e sobremesa?
Para entradas e aperitivos: Sugiro um espumante Brut charmat que tem como objetivo abrir as papilas e limpa-las sem interferir. Um espumante mais complexo elaborado pelo método tradicional ocupará mais espaço do que o recomendado. A função da bebida neste momento é “despertar os sentidos” para o que virá depois.
Para prato principal:
- Se forem pratos à base de frutos do mar ou peixe sugiro espumante bem seco (Nature, Extra-brut ou Brut) elaborado pelo método tradicional. Esses pratos precisam de espumantes marcantes, valentes.
- Se forem pratos à base de carnes brancas, massas ou risotos sugiro espumante Brut rosé ou branco (charmat ou tradicional). O rosé é um espumante extremamente versátil desde o ponto de vista gastronômico e associa ao frescor e a delicadeza a potencia da uva tinta.
Para sobremesas: Nestes pratos tem de tomar cuidado com o grau de doçura da sobremesa que não deve ser excessiva já que desta forma ficará ressaltada a acidez da bebida podendo criar algum desconforto nos convidados.
Os espumantes Demi-sec, com moderada quantidade de açúcares (geralmente inferior a 30 gramas litro) são recomendados para sobremesas cítricas que apresentam bom grau de acides e pouco açúcar.
Os espumantes Moscateis, mais doces (quase sempre próximos aos 80 gramas litro) são indicados para sobremesas mais cremosas, concentradas e maior grau de doçura.
Estimado amigo Adolfo Lona
ResponderExcluirLer seus textos, comentários e recomendações acerca do mundo do vinho é sempre um privilégio.
Parabenizo-o pela excelente entrevista: como sempre, seus comentários estão muito bem escritos, além de muito pertinentes.
Um forte abraço
Tiago Bulla
universodosvinhos.com
Caro Tiago: Obrigado pela visita ao blog e pela mensagem. Espero que em breve possamos nos encontrar para saborear uma taça de espumante. Grande abraço . Adolfo
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