quarta-feira, 26 de junho de 2013

Por que não acredito

Participei durante as décadas de setenta e oitenta como jurado de diversos Concursos de Vinhos no Brasil e no exterior, e deixei de confiar nos resultados ao comprovar que boa parte dos avaliadores não eram suficientemente preparados.

Agora uma pesquisa realizada pelo americano Robert Hodgson mostra que nem mesmo os melhores profissionais são confiáveis em suas avaliações sobre os rótulos.
A pesquisa, publicada no Journal of Wine Economics e pelo Guardian, indica que somente 10% dos juízes que atuam em competições e testes cegos foram consistentes em suas análises. Para chegar a essa conclusão, ele realizou experimentos desde 2005 na feira anual Califórnia State Fair, realizada todo mês de junho nos Estados Unidos.
Lá, juízes de grande gabarito no tema experimentavam por várias vezes, sem saber, o líquido de uma garrafa, e a maioria dava notas bem diferentes para o mesmo vinho apresentado. As notas só costumavam se assemelhar quando a bebida não era aprovada pelo indivíduo. Os profissionais que conseguiram chegar mais perto do trabalho "desejado" foram aqueles poucos que deram nota praticamente igual ao experimentar, sem saber, o mesmo vinho.

A meu ver a consistência das avaliações sofre de três problemas muito difíceis de superar: o desconhecimento do padrão do vinho que está se julgando, a interferência da subjetividade e o despreparo de muitos participantes.

Se até o reconhecido julgador Robert Parker consagrou durante anos vinhos potentes, alcoólicos e maderizados porque era esse seu gosto pessoal, como evitar que esta variável interfira em avaliadores menos preparados?

Como evitar que pessoas que gostam de carvalho outorguem notas mais altas aos vinhos que tem esta característica, sem apreciar se a presença da madeira é justa, equilibrada ou “mata” o vinho?

Dar nota a um Cabernet Sauvignon chileno comparativamente com um brasileiro sem conhecer a realidade do terroir, do clima e da forma de elaboração é uma tarefa ingrata para qualquer um e muito mais num julgador pouco experiente.

Para ter uma ideia da confusão que pode gerar-se num concurso cito como exemplo um realizado em Bordeaux do qual participei junto com centenas de pessoas. Ao final nele participam milhares de amostras que devem ser julgadas numa manhã. Havia enólogos, jornalistas, consumidores, convidados especiais que representavam a sociedade, as indústrias de insumos, distribuidores, comerciantes, etc. Muitos deles, para evitar maiores problemas, davam sempre notas entre 80 e 85 pontos. Como o resultado era a mediana de todas as notas estes senhores sempre estavam confortáveis.

Num concurso feito no Brasil formei parte de uma mesa de 8 jurados além do presidente e durante a amostra que servia como “posta em boca”, ou seja para ajustar desvios, pedi para que fosse trocada porque a meu ver estava nitidamente com gosto de rolha. Quase todos os membros da mesa acharam estranha minha solicitação argumentando que não perceberam o defeito. Após alguns minutos de dúvida, quando acreditava que nada seria feito, um rapaz sentado na última poltrona do júri levantou a mão e disse: “sou português, trabalho numa fábrica e rolhas e garanto que esta amostra esta com defeito e deve ser trocada”. Ou seja, pelo menos seis pessoas da mesa não perceberam o problema que era notório. Falta de preparo, falta de experiência.

Em outra oportunidade e como mais um exemplo, lembro a ocasião que um reconhecido técnico da Embrapa me solicitou uma prova de avaliação de avaliadores. Devia preparar amostras com diferentes características, três de vinho branco e três de vinho tinto para avaliar a uniformidade de opiniões entre um painel de 28 pessoas que formavam parte de um jurado. Entre estes 28 jurados havia enólogos de renomadas vinícolas.

Selecionei um vinho branco jovem, um maduro e um aromático. Nos tintos decidi preparar uma pegadinha: um vinho com marcante presencia de ácido acético., aquele do vinagre.

Para nossa surpresa, ao degustar os vinhos tintos ninguém se manifestou em relação ao nítido defeito. Perguntei se estava tudo normal e somente alguns minutos depois duas pessoas levantaram a mão e disseram que um dos vinhos estava alterado. Ou seja, 26 pessoas não tinham percebido o defeito.

Por estas e outras razões não acredito em medalhas sejam de ouro, prato, cobre ou couro.

Por esta e outras razões não participo de juris ou concurso nem submeto meus espumantes a este tipo de julgamento.

Não condeno, não critico. Só não acredito que sirvam para consagrar ou condenar a qualidade de algum vinho ou espumante.

2 comentários:

  1. Caro Sr. Adolfo,
    Parabéns pelo artigo. Tenho visto inúmeras eleições em feiras que ocorrem pelo Brasil, feitas de maneira amadora. Fazem um catado de "jurados", muitos deles desconhecedores dos critérios utilizados para se avaliar um vinho. E como são rápidos nas análises! Vi gente analisando 30 garrafas em poucos minutos. Mandavam o vinho goela abaixo e os eleitos eram aqueles que os "jurados" achavam "mais gostosos". E dá-lhe medalha!
    Abraços,
    Flavio

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  2. Sr Adolfo Lona.
    Gostei da matéria.
    Na minha opinião, o vinho não precisa de prêmios, pontos, medalhas, etc. O vinho só precisa ser consumido e desfrutado.
    Abs
    Mario R. Leonardi

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