Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
sexta-feira, 22 de março de 2013
terça-feira, 19 de março de 2013
A Serra Gaúcha que eu conheci 4
A matéria prima tratada com mais respeito
A uva recém-colhida é extremamente perecível, em poucas horas pode estragar.
Em inicios da década de setenta, a uva era retirada dos vinhedos com a ajuda de cestos de vime e levada próximo dos caminhões ou carretas onde era transferida para o recipiente final de transporte chamado dornas. Estas dornas eram recipientes troco-cônicos de madeira, tipo grandes baldes, feitos com duelas e arcos metálicos como as pipas, de diferentes tamanhos variando entre 80 e até 100-120 quilos. Com o uso destes recipientes se reduzia o custo do frete porque cada caminhão carregava até 25-30 dornas. Para carregar mais as dornas, as uvas eram socadas e esmagadas com ruptura das cascas.
Se tudo isto não fosse suficiente para deteriorar as uvas, os produtores para economizar, evitavam a contratação de “safristas” e colhiam as uvas com a ajuda da própria família o que tornava esta tarefa muito lenta. Por isso as uvas ficavam nas dornas de um dia para outro esperando completar a carga, o que frequentemente resultava no inicio da fermentação.
Resultado: as cantinas recebiam uvas extremamente deterioradas e até em processo de fermentação descontrolada e em péssimas condições.
A solução achada, e muito polêmica na época, foi substituir as dornas por caixas plásticas de 18 quilos, de fácil manuseio, encaixáveis umas nas outras para transporta-las vazias e com encaixes para ficarem umas acima das outras para quando estavam com uva. Nestes recipientes menores as uvas permaneciam inteiras, o que já era uma mudança.
Mas o problema não ficou totalmente solucionado porque permanecia o hábito de colher demoradamente. Foi necessário reforçar os estímulos financeiros na forma de prêmios aplicáveis de forma acumulativa para diferentes exigências: grau de maturação mínimo de 18º Babo (as uvas chegavam com 14-15 ou no máximo 16º Babo), perfeito estado sanitário, sem folhas e sem grãos podres. Os prêmios resultavam em acréscimos de até 60% do valor oferecido pelo mercado.
Devo destacar que a introdução das caixas foi um processo trabalhoso e demorado porque os produtores se resistiam, argumentando que eram pequenas e o carregamento e transporte seria mais complicado.
A Martini adquiriu as caixas e em certo momento chegou a ter 40 mil delas num volume considerável de dinheiro imobilizado. Era o custo da qualidade. Com o passar dos anos outras cantinas começaram a exigir este tipo de vasilhame de transporte e nós conseguimos vender as caixas para os produtores. O problema do transporte tinha sido solucionado.
Mexer na produtividade
Tendo atingido um nível de remuneração diferenciado, a segunda etapa foi controlar a produtividade. O levantamento da propriedade de cada produtor, medindo áreas, contando pés sadios e viróticos, nos permitiu conhecer a produtividade por pé. Não é adequado falar simplesmente em produtividade por hectare sem conhecer o número de pés que a compõem.
Na época quase todos os vinhedos eram conduzidos pelo sistema latada (foto) e a densidade (distancia entre fileiras e distancia entre pés) era muito diferentes de produtor para produtor conforme geografia e critério do dono. Estabelecemos uma produtividade máxima de 3 quilos por planta, apesar de entendermos que para determinadas variedades o ideal eram 2 quilos.
Alguns produtores ficavam muito orgulhosos ao demonstrar que tiravam “uma caixa por pé”, produtividade que impedia a maturação da uva e a deixava mais exposta a doenças e podridão.
O perigo da galinha
Ao visitarmos alguns produtores (que hoje já são produtores de vinhos até famosos) percebemos o uso em grande quantidade da “cama de aviário” como adubo.
Lembro que um técnico da Secretaria da Agricultura do RS de Caxias do Sul me disse uma vez: “A merda da galinha vai acabar com os parreirais da Serra”. Confesso que no momento não entendi do que se tratava. Pouco tempo depois percebi porque alguns vinhedos pareciam trepadeiras e a produção era absurda. As regiões de Garibaldi e Bento se caracterizam pela alta concentração de aviários onde se cria e reproduz frango encomendado pelos abatedouros locais.
Por esta razão o esterco de galinha era barato e de fácil acesso. Felizmente, através de controles rigorosos esta prática foi abolida na região e a produtividade caiu para volumes aceitáveis resultando na melhora da matéria prima.
A virose
Não havia controle fitossanitário e por tal razão não se sabia quantos pés eram sadios e quantos estavam infectados com viroses nas propriedades da região. Como a propagação era de mãos em mãos a virose caminhava aceleradamente.
Este problema provocou a queda e quase desaparecimento da variedade Cabernet Franc que teve uma grande procura nos anos oitenta, e por ter se propagado de forma acelerada desta forma, começou a apresentar problemas de virose sem solução.
A garantia de sanidade exigida dos viveiros fornecedores é fundamental porque a planta nova não apresenta os sintomas.
Somente aos quarto ou quinto ano de produção as folhas já apresentam a doença, a produtividade cai, a maturação é incompleta e a planta deixa de produzir o fruto adequado para elaborar vinhos de qualidade.
A virose não tem cura e pode haver contaminação de planta para planta através do uso da tesoura de poda, por exemplo.
Nos anos setenta e oitenta a virose se espalhou acentuadamente e foi necessário abandonar certos vinhedos para substitui-los por novas áreas. Foi o preço pago pela mistura do descontrole com a ignorância.
A uva recém-colhida é extremamente perecível, em poucas horas pode estragar.
Em inicios da década de setenta, a uva era retirada dos vinhedos com a ajuda de cestos de vime e levada próximo dos caminhões ou carretas onde era transferida para o recipiente final de transporte chamado dornas. Estas dornas eram recipientes troco-cônicos de madeira, tipo grandes baldes, feitos com duelas e arcos metálicos como as pipas, de diferentes tamanhos variando entre 80 e até 100-120 quilos. Com o uso destes recipientes se reduzia o custo do frete porque cada caminhão carregava até 25-30 dornas. Para carregar mais as dornas, as uvas eram socadas e esmagadas com ruptura das cascas.
Se tudo isto não fosse suficiente para deteriorar as uvas, os produtores para economizar, evitavam a contratação de “safristas” e colhiam as uvas com a ajuda da própria família o que tornava esta tarefa muito lenta. Por isso as uvas ficavam nas dornas de um dia para outro esperando completar a carga, o que frequentemente resultava no inicio da fermentação.
Resultado: as cantinas recebiam uvas extremamente deterioradas e até em processo de fermentação descontrolada e em péssimas condições.
A solução achada, e muito polêmica na época, foi substituir as dornas por caixas plásticas de 18 quilos, de fácil manuseio, encaixáveis umas nas outras para transporta-las vazias e com encaixes para ficarem umas acima das outras para quando estavam com uva. Nestes recipientes menores as uvas permaneciam inteiras, o que já era uma mudança.
Mas o problema não ficou totalmente solucionado porque permanecia o hábito de colher demoradamente. Foi necessário reforçar os estímulos financeiros na forma de prêmios aplicáveis de forma acumulativa para diferentes exigências: grau de maturação mínimo de 18º Babo (as uvas chegavam com 14-15 ou no máximo 16º Babo), perfeito estado sanitário, sem folhas e sem grãos podres. Os prêmios resultavam em acréscimos de até 60% do valor oferecido pelo mercado.
Devo destacar que a introdução das caixas foi um processo trabalhoso e demorado porque os produtores se resistiam, argumentando que eram pequenas e o carregamento e transporte seria mais complicado.
A Martini adquiriu as caixas e em certo momento chegou a ter 40 mil delas num volume considerável de dinheiro imobilizado. Era o custo da qualidade. Com o passar dos anos outras cantinas começaram a exigir este tipo de vasilhame de transporte e nós conseguimos vender as caixas para os produtores. O problema do transporte tinha sido solucionado.
Mexer na produtividade
Tendo atingido um nível de remuneração diferenciado, a segunda etapa foi controlar a produtividade. O levantamento da propriedade de cada produtor, medindo áreas, contando pés sadios e viróticos, nos permitiu conhecer a produtividade por pé. Não é adequado falar simplesmente em produtividade por hectare sem conhecer o número de pés que a compõem.
Na época quase todos os vinhedos eram conduzidos pelo sistema latada (foto) e a densidade (distancia entre fileiras e distancia entre pés) era muito diferentes de produtor para produtor conforme geografia e critério do dono. Estabelecemos uma produtividade máxima de 3 quilos por planta, apesar de entendermos que para determinadas variedades o ideal eram 2 quilos.
Alguns produtores ficavam muito orgulhosos ao demonstrar que tiravam “uma caixa por pé”, produtividade que impedia a maturação da uva e a deixava mais exposta a doenças e podridão.
O perigo da galinha
Ao visitarmos alguns produtores (que hoje já são produtores de vinhos até famosos) percebemos o uso em grande quantidade da “cama de aviário” como adubo.
Lembro que um técnico da Secretaria da Agricultura do RS de Caxias do Sul me disse uma vez: “A merda da galinha vai acabar com os parreirais da Serra”. Confesso que no momento não entendi do que se tratava. Pouco tempo depois percebi porque alguns vinhedos pareciam trepadeiras e a produção era absurda. As regiões de Garibaldi e Bento se caracterizam pela alta concentração de aviários onde se cria e reproduz frango encomendado pelos abatedouros locais.
Por esta razão o esterco de galinha era barato e de fácil acesso. Felizmente, através de controles rigorosos esta prática foi abolida na região e a produtividade caiu para volumes aceitáveis resultando na melhora da matéria prima.
A virose
Não havia controle fitossanitário e por tal razão não se sabia quantos pés eram sadios e quantos estavam infectados com viroses nas propriedades da região. Como a propagação era de mãos em mãos a virose caminhava aceleradamente.
Este problema provocou a queda e quase desaparecimento da variedade Cabernet Franc que teve uma grande procura nos anos oitenta, e por ter se propagado de forma acelerada desta forma, começou a apresentar problemas de virose sem solução.
A garantia de sanidade exigida dos viveiros fornecedores é fundamental porque a planta nova não apresenta os sintomas.
Somente aos quarto ou quinto ano de produção as folhas já apresentam a doença, a produtividade cai, a maturação é incompleta e a planta deixa de produzir o fruto adequado para elaborar vinhos de qualidade.
A virose não tem cura e pode haver contaminação de planta para planta através do uso da tesoura de poda, por exemplo.
Nos anos setenta e oitenta a virose se espalhou acentuadamente e foi necessário abandonar certos vinhedos para substitui-los por novas áreas. Foi o preço pago pela mistura do descontrole com a ignorância.
segunda-feira, 18 de março de 2013
O mercado de vinhos no Brasil
O mercado de vinhos finos nacionais e importados mostra uma situação desbalanceada entre produtos nacionais e importados.
Para poder entender a reviravolta na participação de vinhos nacionais e importados no mercado brasileiro é importante acompanhar a evolução nos últimos 25 anos. No quadro abaixo (que aumenta de tamanho clicando nele) constam os números desde 1985 de cinco em cinco anos.
Na década de oitenta, enquanto as regras de importação serviam como barreiras para entrada de produtos estrangeiros a participação de vinhos nacionais era de 90% tendo como destaque os vinhos do Chile e Alemanha.
Com a abertura de mercado as importações dobraram já em 1990 e a comercialização de vinhos nacionais se manteve estável por isso a participação caiu para algo mais de 80%.
De 1990 a 1995 a situação começou a ser extremamente favorável aos vinhos importados que mais que triplicaram o volume impulsionados pelo vergonhoso vinho alemão da garrafa azul (aquela parecida a um abajur) do qual foram importadas mas de 1,3 milhão de caixas. A farra era total! Itália chegava com seus Valpolicella e Portugal até com os Bairrada. O Mercosul ainda não se manifestara.
Os vinhos nacionais não cresceram, foram empurrados para um canto da prateleira e a participação se dividiu.
Já na entrada do novo século o volume total caiu devido à queda esperada dos vinhos alemães e a inesperada dos vinhos nacionais. A participação se manteve dividida.
A partir de 2005 novos protagonistas começaram a mostrar sua força: Argentina e Chile. Estes países junto com Uruguai (diga-se vinho engarrafado pela Cooperativa Aurora) representaram mais de 60% do volume dos importados e a participação dos nacionais passou a ser minoritária com menos de 40% do total.
A partir daí os vinhos nacionais perderam mercado até representar 20% do total sendo que os destaques dos vinhos europeus foram os provenientes da Itália e Portugal. Os vinhos do Novo Mundo que mais se destacaram foram os provenientes da Argentina e do Chile. Estes últimos não pararam de crescer até hoje.
A situação é difícil para os vinhos nacionais mas, na minha opinião, o potencial de mercado é tão imenso que se o setor reagir de forma coesa e unida, com ações inteligentes e bem focadas no fortalecimento da imagem de nossos vinhos será possível participar de forma mais acentuada do aumento de mercado.
Acho que a chave é essa: crescimento de mercado, procura de novos consumidores. Lembrar que somente em dez anos o mercado de vinhos finos dobrou.
As entidades representativas, em especial o Ibravin, devem focar seus esforços no apoio às grandes vinícolas que são as responsáveis pela distribuição massiva, de altos volumes utilizando o canal direto (supermercados e varejos) sem esquecer do papel fundamental na melhoria da imagem que desempenham as pequenas vinícolas, de produção limitada, de vinhos espumantes de alta qualidade.
Para poder entender a reviravolta na participação de vinhos nacionais e importados no mercado brasileiro é importante acompanhar a evolução nos últimos 25 anos. No quadro abaixo (que aumenta de tamanho clicando nele) constam os números desde 1985 de cinco em cinco anos.
Na década de oitenta, enquanto as regras de importação serviam como barreiras para entrada de produtos estrangeiros a participação de vinhos nacionais era de 90% tendo como destaque os vinhos do Chile e Alemanha.
Com a abertura de mercado as importações dobraram já em 1990 e a comercialização de vinhos nacionais se manteve estável por isso a participação caiu para algo mais de 80%.
De 1990 a 1995 a situação começou a ser extremamente favorável aos vinhos importados que mais que triplicaram o volume impulsionados pelo vergonhoso vinho alemão da garrafa azul (aquela parecida a um abajur) do qual foram importadas mas de 1,3 milhão de caixas. A farra era total! Itália chegava com seus Valpolicella e Portugal até com os Bairrada. O Mercosul ainda não se manifestara.
Os vinhos nacionais não cresceram, foram empurrados para um canto da prateleira e a participação se dividiu.
Já na entrada do novo século o volume total caiu devido à queda esperada dos vinhos alemães e a inesperada dos vinhos nacionais. A participação se manteve dividida.
A partir de 2005 novos protagonistas começaram a mostrar sua força: Argentina e Chile. Estes países junto com Uruguai (diga-se vinho engarrafado pela Cooperativa Aurora) representaram mais de 60% do volume dos importados e a participação dos nacionais passou a ser minoritária com menos de 40% do total.
A partir daí os vinhos nacionais perderam mercado até representar 20% do total sendo que os destaques dos vinhos europeus foram os provenientes da Itália e Portugal. Os vinhos do Novo Mundo que mais se destacaram foram os provenientes da Argentina e do Chile. Estes últimos não pararam de crescer até hoje.
A situação é difícil para os vinhos nacionais mas, na minha opinião, o potencial de mercado é tão imenso que se o setor reagir de forma coesa e unida, com ações inteligentes e bem focadas no fortalecimento da imagem de nossos vinhos será possível participar de forma mais acentuada do aumento de mercado.
Acho que a chave é essa: crescimento de mercado, procura de novos consumidores. Lembrar que somente em dez anos o mercado de vinhos finos dobrou.
As entidades representativas, em especial o Ibravin, devem focar seus esforços no apoio às grandes vinícolas que são as responsáveis pela distribuição massiva, de altos volumes utilizando o canal direto (supermercados e varejos) sem esquecer do papel fundamental na melhoria da imagem que desempenham as pequenas vinícolas, de produção limitada, de vinhos espumantes de alta qualidade.
segunda-feira, 11 de março de 2013
Os espumantes em 2012
As estatísticas de comercialização de espumantes no mercado brasileiro mostram o que todo o mundo já sabe: os produtos nacionais ocupam um espaço preponderante e o que é mais importante, mantem esta posição ao longo dos anos. Motivo: a reconhecida qualidade dos mesmos e a confiança que o apreciador deposita neles. Clique acima dos quadros para aumentar o tamanho e melhorar sua visualização.
Na estatística chama a atenção o enorme crescimento do Cava espanhol (dobrou as vendas em dois anos) devido ao esforço de marketing realizado com sucesso pela Freixenet. É um exemplo do marketing bem feito que consegue que a imagem supere a qualidade.
Em 2007 a queda forte (quase 30%) dos importados foi por conta do fracasso argentino de querer empurrar um espumante da qualidade do Mumm que era péssimo. Pagaram a conta no ano seguinte passando das 190 mil caixas a 62 mil. De resto a participação de champagnes, cremant e espumantes italianos mantem os volumes pouco alterados. Com os proseccos italianos parece ter acontecido algo semelhante aos espumantes argentinos: pagam pela má qualidade dos produtos importados.
Os números mostram o crescimento constante de aproximadamente 10% ao ano o que é importante apesar de que o consumo ainda é baixo.
Se dividimos os 20 milhões de litros pelos 196 milhões de habitantes chegaremos a conclusão que o consumo é de 0,10 litros por habitante ou uma taça relativamente generosa por ano/habitante. Ainda tem muito para crescer.
Sempre digo que o brasileiro está "condenado" a beber espumante porque não há outra bebida que se identifique melhor com sua forma de ser, descontraída, alegre, festiva. Dois fatores ainda favorecem o consumo: uma região com vocação para produzi-los com alta qualidade e um enorme e belo litoral que guarda uma gastronomia muito adequada para o consumo de espumantes.
O grande desafio é vencer o preconceito que ainda existe, em especial do consumidor masculino, que acha que o verdadeiro vinho é o tinto e se resiste a consumir espumantes.
Mas isto está mudando rapidamente devido a que o espumantes tem um aliado atuante e respeitado: a mulher. Ela é quem impulsa o crescimento e muda devagar os hábitos de seus companheiros.
Por tudo isto os espumantes brasileiros, em especial os produzidos no Rio Grande do Sul, merecem comemorar a confiança ganha junto ao público apreciador.
sábado, 9 de março de 2013
A Serra Gaúcha que eu conheci 3
A realidade do campo
O perfil acentuado de minifúndio que vigorava (e ainda vigora) na Serra me colocou de imediato numa realidade totalmente diferente da que conhecia de Mendoza.
As propriedades eram pequenas e toda a família colaborava desempenhando diferentes tarefas. A geografia era íngreme, o que impedia a mecanização e por isso tive meu primeiro contato com a “junta de bois” com os quais os agricultores aravam e tratavam a terra. A “colônia” era uma preciosa reserva cultural onde a gastronomia, costumes e uso do dialeto constituíam um pequeno rincão do Vêneto italiano.
Até hoje recordo o Sr. Cavazza, italiano diretor técnico da Martini da França que ao visitar uma festa colonial ficou emocionado e me disse baixinho, “estas canções não se ouvem mais na Itália. Isto é um tesouro”.
Esta situação permanece pouco alterada para algumas famílias e por isso a necessidade de preservar esta cultura apoiando o pequeno agricultor, o pequeno produtor de vinhos já que constituem o verdadeiro patrimônio cultural da região.
Para adquirir uvas era necessário contatar um importante número de produtores e isso exigia conhecer cada um deles, sua propriedade, suas uvas e sua forma de trabalhar.
Para esta tarefa contratamos uma “prata da casa”, Osvaldo Fillipon, pessoa experiente que tinha trabalhado na Cooperativa Garibaldi e que conhecia como ninguém a idiossincrasia da região. Osvaldo se transformou ao longo dos anos na ponte entre nossa vinícola e o produtor, confiável, amigo, preocupado em oferecer um bom serviço à empresa sem desproteger o “colono”.
É importante lembrar que no inicio dos anos setenta existia uma oferta relativamente limitada de uvas viníferas sendo que o patrimônio varietal da época era predominantemente de origem italiano. As tintas eram Barbera, Bonarda, Canaiolo e Cabernet Franc e as brancas Riesling Itálico, Moscato, Peverella e Trebbiano.
A primeira surpresa que tivemos foi descobrir que existiam duas uvas chamadas Riesling, a “verdadeira” e a “falsa”. Os preços variavam conforme o volume da safra: quando faltava uva os preços se igualavam, quando sobrava, o preço da falsa era menor. Na primeira prova de vinificação verificamos que os vinhos não eram iguais, um mais elegante, mais refinado, mais harmônico, o outro era bastante frutado mais de curto ciclo maturando aceleradamente, mais “verde”, mais grosseiro. Pesquisando chegamos a conclusão que a falsa era a hibrida produtora direta branca Seyve Villard e passamos a chama-la por seu verdadeiro nome, pagar o preço justo e a destinamos a base vermute.
Entre as barberas e bonardas havia uma mistura impossível de decifrar. A solução foi o inicio imediato da propagação de material importado de novas variedades junto aos produtores. Para tal fim importamos mudas enxertadas das variedades Cabernet franc, Merlot, Semillón, Riesling renano e Pinot Noir seguidas de Cabernet Sauvignon e Chardonnay.
Estas últimas chegaram no inicio dos anos oitenta.
Como todas as mudas eram originárias da França os viveiros dispunham de plantas enxertadas sobre o cavalo mais utilizado lá que era o SO4 (Teleki 4 Sel. Oppenheim) originário da Alemanha. Este cavalo se mostrou (uma década depois) muito sensível a algumas doenças e ao excesso de umidade, por isso algumas mudas importadas nos primeiros anos tiveram problemas e morreram.
A falta de experiência e conhecimento de campo nos levou a este tipo de erro e infelizmente em viticultura para corrigi-lo leva de 8 a 10 anos. Outros cavalos foram solicitados posteriormente como Paulsen 1103 e 101.14.
Por esta razão me chama muito a atenção quando algumas vinícolas, magicamente, declaram antecipadamente logo após o plantio de algumas uvas que delas sairão vinhos ícones, prêmium, super premium, premio Nobel, etc.
É o marketing agressivo que impõe inverdades, conceitos errados que levam o consumidor ao engano. Isto deve ser combatido.
O controle da produção
Não existiam critérios técnicos para produzir uvas finas e os agricultores acostumados a cultivar uvas americanas, exageravam na produção como forma de compensar os baixos preços praticados. Na época a uva não estava enquadrada na Política de Preços Mínimos e os mesmos eram definidos pelas maiores compradoras: Cooperativa Garibaldi, Vinícola Riograndense e Dreher que produzia em Bento Gonçalves o conhaque com o mesmo nome feito com vinhos de americanas.
Iniciamos o Cadastro de Propriedade de cada um dos fornecedores que chegou rapidamente a 350 produtores. Uma equipe (da qual formou parte entre outros, Adriano Miolo que era estagiário) foi a campo a levantar:
- Área total da propriedade
- Área de vinhedos, área por variedade, área por talhão.
- Área de terra disponível para ampliar cultivo.
- Número de pés por variedade e por talhão.
- Tipo e origem do cavalo, enxerto ou muda.
- Ano de plantio por variedade e talhão.
- Identificação de pés sadios e suspeitos de viroses.
Desta forma levantamos a produtividade por pé já que o total por hectare é relativa porque o importante é quanto produz cada pé, o total de área produzindo por produtor, região e variedade.
Como foi levantada a origem o material vegetativo foi possível depois conferir a qualidade da uva e relaciona-la a esses dados.
Tudo isto parece excessivo mas foi a única forma que encontramos para dispormos de dados confiáveis que permitissem atuar efetivamente nas mudanças a serem feitas para melhorar a qualidade da matéria.
Não tenho dúvidas que a De Lantier na década de oitenta chegou a ter a cantina mais moderna e versátil do Cone Sul com prensas pneumáticas (as primeiras que chegaram ao Brasil), desengaçadeiras especiais, filtros, reservatórios de aço inox com controles, maceradores rotativos automáticos (o equipamento perfeito para extrair cor delicadamente), etc.
DE NADA ADIANTAVAM OS RECURSOS TECNOLÓGICOS SE A MATÉRIA PRIMA NÃO ERA ADEQUADA A ESSES AVANÇOS.
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Como resultado do esforço em campo associado a uma política de preços que estimulava a qualidade, estado sanitário e a justa maturação das uvas foi possível estabelecer uma parceria confiável com os agricultores com os quais mantínhamos uma relação de confiança, sem contratos, sem cláusulas. Era no fio do bigode, mesmo.
Como resultado desta parceria confiável conseguimos elaborar um vinho tinto magnífico como foi o Baron de Lantier, primeiro vinho tinto a ganhar medalhas em concursos internacionais (quando ainda eram confiáveis). Não tenho dúvidas que apesar de nunca termos tido o atrevimento de chama-lo assim, o Baron de Lantier foi um ícone da época.
Infelizmente por razões diversas este vinho não existe mais. Foi assassinado pelas circunstâncias.
Uma perda irreparável para o setor.
sexta-feira, 8 de março de 2013
A Serra Gaúcha que eu conheci 2
A equipe
Com 25 anos e alguma experiência na elaboração de espumantes, tive o privilégio de formar parte da equipe técnica que a meu ver, influenciaria de forma marcante nas mudanças que aconteceriam a partir da década de setenta na região.
A Martini não mediu esforços em proporcionar a essa equipe todos os recursos técnicos e financeiros para tingir o objetivo: produzir um espumante brasileiro de nível internacional.
Logo à minha chegada conheci duas pessoas com as quais trabalharia de imediato e aprenderia muito. Eram Remo Lovisolo e Mário Tomaselli, dois enólogos italianos muito experientes e sérios. Remo era uma pessoa estudiosa, disciplinada e com conhecimento prático de elaboração, Tomaselli um enólogo-engenheiro, extremamente inteligente que conhecia os diferentes equipamentos e instalações enológicas como poucos. Os anos passados com eles foram enriquecedores e divertidos.
Eu disse que Reti não media esforços e uma prova disso foi que contratou os serviços de um enólogo francês, da região de Champagne para contribuir no projeto do espumante De Gréville.
Silvain De Sournac, diretor técnico da casa Casanove de Champagne se integrou já em 1974 e nos trouxe o “modo francês” de elaborar espumantes. A experiência vivida junto a ele foi extraordinária já que aprendi a importância da separação correta dos sucos através da prensagem suave e pausada, da preservação das características naturais do suco com limitadíssima intervenção, do esforço e concentração que exige obter um assemblage complexo e único, das mudanças fantásticas que proporciona a maturação e o envelhecimento do vinho base e do espumante.
Foram as experiências vividas com estes magníficos profissionais que moldaram minha forma de “fazer vinhos e espumantes” e da qual tenho tanto orgulho.
A cantina
Num quarteirão onde existiam um posto de gasolina Ipiranga, uma concessionária Chevrolet e uma serraria, todos desativados, começamos o projeto da nova cantina.
Na primeira visita que fiz ao local, ao abrir o portão um rato enorme, do tamanho de um gato, cruzou à minha frente. Foi um momento de dúvida ...”que estou fazendo aqui?”
Demolimos, construímos e reformamos o local de modo a ter áreas específicas para cada tarefa: recepção das uvas, pesagem e prensagem, local com reservatórios onde seria feita a elaboração dos vinhos, uma área para tomada de espuma em autoclaves e engarrafamento e um amplo espaço para armazenagem e maturação dos produtos semi-elaborados.
Como disse as cantinas locais eram bem completas mas tecnologicamente muito atrasadas.
Para ter uma ideia das novas tecnologias que as empresas estrangeiras aportaram nessa época vou citar:
- Substituição do sistema “escorrido” do suco pela prensagem, lenta e controlada.
A elaboração de vinhos brancos era feita desengaçando as uvas (retirando o cabinho) e enviadas imediatamente moídas a reservatórios (todos de madeira) onde o vinho era retirado pela torneira inferior por gravidade o que se chamava “escorrido”. Esta forma incorporava ao suco componentes de oxidação que depois eram retirados com o auxilio de clarificantes potentes que provocavam danos irreparáveis aos vinhos desde o ponto de vista aromático e gustativo. A prensagem retirava com cuidado as frações de suco flor ou gota evitando o contato com as cascas e sem fazer dano às mesmas resultando em sucos limpos, sem componentes de oxidação com alta carga aromática e marcante sabor.
- Substituição das pipas de madeira por tanques de aço inoxidável, mais higiénicos e capazes de proteger mais os vinho neles depositados.
- Controle automático da temperatura de fermentação através de dispositivos de circulação de águia esfriada e eletrônicos de controle.
Com esta inovação o vinho deixou de IR AO FRIO e o FRIO VEIO AO VINHO, evitando movimentos desnecessários que provocavam danos ao vinho. Ao ser automático o enólogo ficou liberado para cuidar de coisas mais importantes que a temperatura de fermentação. Com o frio as fermentação passaram a serem menos tumultuosas com ganhos relevantes nos aromas secundários.
Eram outros vinhos.
Estas e outras novidades tecnológicas resultaram em melhora substancial dos vinhos e vieram para ficar.
Foi um divisor de águas entre a velha e nova forma de fazer vinhos. A Serra Gaúcha passou a utilizar recursos tecnológicos mais avançados que Argentina e Chile na época.
quarta-feira, 6 de março de 2013
A Serra Gaúcha que eu conheci 1
Os quarenta anos de atuação no setor vitivinícola gaúcho, completados em janeiro de 2013, me permitiram ser testemunha dos esforços feitos na melhoria da qualidade dos vinhos e espumantes brasileiros na Serra Gaúcha.
Decidi escrever sobre este tema porque existe a ideia equivocada que a qualidade dos vinhos gaúchos somente melhorou a partir da década de noventa.
Na realidade foi e continua sendo um processo lento, dispendioso em esforços humanos e financeiros.
Cheguei ao Rio Grande do Sul em janeiro de 1973 para iniciar um empreendimento da Martini e Rossi (aquela do vermute) na cidade de Garibaldi direcionado à elaboração de espumantes pelo método charmat. Contratou-me em Mendoza o enólogo Carlos Gonzalez que apos cinco anos no Brasil estava voltando para Argentina. A decisão final sobre minha vinda coube a Francesco Reti, presidente da Martini e a pessoa mais admirável que conheci, um visionário, motivador, com uma fé enorme no futuro dos espumantes no mercado brasileiro.
Minha primeira tarefa, paralela à construção da cantina, era acompanhar a produção e engarrafamento do Château Duvalier, marca de propriedade da Martini e Rossi lançada em 1966 e que era campeão de vendas de vinhos finos nessa época com mais de 600 mil caixas de 12 unidades ao ano. Nos tipos tinto, branco e rosado demi-sec este vinho era produzido na Companhia Vinícola Riograndense de Caxias do Sul.
A magnífica rede de distribuição da Martini levou o Château Duvalier aos locais mais recônditos e o transformou no primeiro vinho gaúcho presente em todas as mesas. Encontrava este vinho no botequim da esquina ou no restaurante do Terraço Itália, considerado o mais requintado de São Paulo.
Apesar das críticas feitas a este tipo, o rosado foi a porta de entrada de muito consumidor novo.
Sempre afirmei que o vinho rosado demi-sec era na época o caminho intermediário entre um guaraná e um cabernet.
A Vinícola Riograndense para quem não lembra, produzia os vinhos Granja União cujo Merlot foi o primeiro varietal gaúcho. Danilo Calegari e Mario Pasquali eram os dois enólogos que comandavam com muita competência a cantina que era, junto com a Cooperativa Garibaldi, uma das maiores do país. O setor de viticultura era comandado pelo agrônomo Onofre Pimentel, um homem extremamente competente, sério e dedicado com o qual comecei a entender melhor a viticultura gaúcha.
Pimentel foi um agrônomo fantástico que teve a visão de indicar Pinheiro Machado na Serra do Sudeste como região excelente para plantar uvas finas e onde a CVRG adquiriu uma propriedade de quase 300 ha. Eram deles os vinhedos que hoje pertencem a Serrasul de Flores da Cunha.
As instalações da CVRG eram muito completas apesar de pouco modernas. A filtração dos vinhos era através de filtro de massa que na Argentina já tinham sido substituídos pelos de terras e de placas. Os reservatórios que predominavam eras as pipas de madeira (tronco-cônicas) donde predominavam pinho, imbuia e canafistula. Para evitar a transmissão de gosto de pinho estas pipas eram parafinadas à quente na construção.
Infelizmente a CVRG na década de noventa passou por problemas muito sérios de sucessão diretiva que a levaram ao feche definitivo. O Rio Grande do Sul perdia uma referencia da vitivinicultura nacional.
Meu primeiro referencial
Provando os diferentes vinhos finos produzidos na Serra um me chamou a atenção de forma especial: o Cabernet Château Lacave, feito pela vinícola do mesmo nome de Caxias do Sul.
Era excelente, elegante, sem artifícios, magnífico representante do Cabernet Franc gaúcho.
Imediatamente o tomei como referencia: se alguém elaborava um vinho desta qualidade então era possível com boas uvas, conseguir nível semelhante.
O proprietário do Château era Juan Carrau, um uruguaio visionário que chegara ao Brasil com o propósito de elaborar bons vinhos e o lograra com perfeição.
Tive o privilegio de conviver com Carrau durante muitos anos e aprendi a admira-lo pela sua honestidade e conhecimento. Com esta cantina e a Chandon constituíamos o maior grupo comprador de uvas finas e por tal razão nos momentos prévios à colheita estabelecíamos os critérios de prêmios de estímulo à qualidade.
Infelizmente a vinícola Château Lacave, pelo falecimento prematuro de Juan Carrau, passou a outras mãos e deixou de cumprir o papel importante no futuro da vitivinicultura gaúcha a ela reservado.
Foi outra perda importante do setor.