segunda-feira, 5 de junho de 2017

Viníferas ou americanas?




Sempre que o tema é relacionado às uvas produzidas no Brasil, surgem opiniões fortes de muitos que acham que a razão da baixa participação dos vinhos nossos no mercado é porque a grande maioria são produzidos com uvas da espécie Americana, as também chamadas de comuns. Pedem enfaticamente que o Brasil elimine todos os vinhedos de uvas americanas e estes cultivares sejam proibidos.

Parece fácil, mas podem ter certeza que não é.
Não depende da vontade de produtores ou entidades representativas, depende do mercado consumidor, da demanda.
É necessário mudar essas variáveis para obter mudanças lentamente, ao longo dos anos. Exige uma ação planejada a longo prazo.

Para facilitar o entendimento e evitar maiores radicalismos me permito analisar os números da colheita 2017, o destino das uvas e também o consumo de vinhos e espumantes em 2016 considerando a população aproximada com idade superior a 18 anos.

Colheita 2017

Considerada uma safra recorde, mostra que hoje são produzidos algo mais de 750 milhões de quilos sendo que quase 90% é de uvas americanas.

Quem acompanha o setor deve lembrar que esta proporção, anos atrás, era de 80%. Ou seja, se a importância das americanas era grande, agora aumentou. Ou não?

Se retiramos as uvas americanas que são transformadas em suco de uva para exportação na forma de concentrado, ou natural para o mercado interno, a proporção volta aos antigos 80%.

A este respeito é importante destacar a qualidade do suco de uva brasileiro, produzido com as uvas apropriadas que são as americanas, com sabor da uva, típico, único.
Quem já experimentou suco de uva viníferas sabe quanto tem sabor a nada.

Dito isto, podemos concluir que é absurdo pensar em erradicar a uva americana. Ela tem uma finalidade de negócios que cresce, que se desenvolve, que tem sido um apoio para muitas vinícolas ante a crise comercial dos vinhos finos. Ou seja, para alguns que não são poucos, estas uvas são solução e não problema.

Consumo de vinhos e espumantes 2016

O Brasil não é um país consumidor de vinhos, não á hábito, não há identificação com o produto.
Será algum dia chegará a consumir 15-20 litros por habitante?
Acho muito pouco provável, quase impossível, devido ao pouco esforço “inteligente” que o setor faz.

Vamos aos números.

Consumo total:

Considerando a população com idade superior a 18 anos, estimada em 170 milhões, o Brasil consome por ano/habitante, 1,97 litros. Ou seja, menos de 3 garrafas de 750 ml.

Estamos muito longe de países tradicionais como Argentina, Chile e Uruguai que consomem entre 25 e 35 litros ano e ainda de países novos como USA que já ultrapassou os 10 litros.

Este volume consumido no Brasil permanece há pelo menos 3 décadas e isso demonstra que aumentar o consumo é um desafio gigantesco.

Consumo por tipo:


A distribuição por tipo é reflexo dos diferentes consumidores que compõem este mercado.

Nada mais que 62% do total consumido corresponde a vinhos de uvas americanas, baratos, em embalagens econômicas, muitos deles doces ou demi-sec.

Nos vinhos finos de castas europeias que correspondem quase a 32%, os importados ocupam 82% do espaço e são os responsáveis do crescimento lento de mercado.

Já nos espumantes, que representam somente 6% do total, a predominância constante é dos nacionais que já atingiram 82% do total.

É possível erradicar as uvas americanas como alguns defendem?

Não, porque ninguém é louco de acabar com um negócio promissor e em constante crescimento como é o suco de uva e também não, por que há um mercado de vinhos de americanas que é necessário atender.

É possível diminuir sua importância?

Sim, fazendo que estes vinhos de americanas sejam trocados por vinhos de uvas europeias com as mesmas “virtudes”: preço baixo e farta oferta.

É possível acabar com o consumo de vinhos de americanas?

Não, porque é o mercado quem manda e porque seria estupidez, além de nefasto para os produtores.

As uvas americanas são a base da produção da maioria dos agricultores da Serra, são menos vulneráveis à intempéries, mais produtivas e tem mercado garantido.
Devemos lembrar que o perfil das propriedades é de minifúndio, explorado por famílias e sustento delas.

As uvas viníferas são mais difíceis, menos produtivas e na maioria das vezes, pessimamente remuneradas. Porque plantar mais, então?

Apesar disto há um importante aumento de área plantada de uvas finas e oferta de vinhos.
Os novos empreendimentos em especial localizados em outras regiões, iniciam com o vinhedo, sempre de viníferas. Os grandes, correspondem a empresas produtoras da Serra que buscam maior constância na qualidade e menores custos. Os pequenos iniciam produzindo em terceiros e acabam construindo cantinas modernas, enxutas, produtivas.

Isto é fantástico porque engrandece e aprimora a oferta e faz um importante trabalho institucional através do enoturismo.

Mas, na minha opinião, o furo está mais embaixo. Como não há crescimento do volume consumido, não há entrada de novos apreciadores e os existentes já estão definidos.
Ou por acaso imaginam a possibilidade de grandes “migrações”.

A solução é, e nisso sou repetitivo e insistente, aumentar o número de apreciadores, aumentar o mercado.

O consumo de 1,96 litros por ano é porque há quem consome acima de 20 litros, os que consomem algo em torno de 10 litros e uma enorme quantidade que consome menos de um litro ou nada. Pela falta de hábito, pela falta de interesse, pela falta de atrativos, pela falta de conhecimento e pela falta de muita coisa.

Havendo aumento de mercado, os novos consumidores decidirão qual produto escolher, pela origem, pela qualidade ou pelo bolso.

Com certeza para essa nova distribuição de demanda o mercado de uvas se direcionará.

Claro que para isso será necessário unir setores da uva e do vinho do Brasil e do mundo, para conseguir recursos para campanhas masivas e constantes de divulgação da instituição VINHO.
Vender suas virtudes, seus benefícios, suas histórias e sentimentos.

Será necessário, e isto será mais difícil, conseguir a união dos produtores de uva e vinho brasileiros para acabar com as disputas predatórias, do “falar mal do outro” para ganhar mercado, de usar a capacidade financeira para sufocar os pequenos e influenciar decisões das entidades representativas, de acabar com iniciativas infrutíferas ou negativas como foram o estupido selo fiscal e a fracassada tentativa de salvaguardas.

Em fim, é o setor que poderá definir seu futuro.

O futuro incerto, difícil e insuportavelmente competitivo que pouco estimula?

Ou o futuro que cria a desafiadora situação de crescimento onde qualidade e preço serão as melhores armas para participar?

Vamos refletir sobre isto?