Estou iniciando o blog "VINHO SEM FRESCURAS" justamente porque estou cansado de tanta frescura quando o tema é vinho. Pretendo abordar todos os assuntos relacionados a esta bebida tão natural da forma mas simples possível. Participe enviando noticias, comentários, críticas ou elogios sobre vinhos, espumantes nacionais ou estrangeiros e até, se quiser, sobre algúm de meus espumantes ou vinho que elaboro na pequena e simpática cidade de Garibaldi no interior de Rio Grande do Sul.
sábado, 19 de março de 2016
Protocolo
A enologia, como outras ciências, se aprimorou com os avanços da tecnologia oferecendo ao profissional ferramentas que permitem atuar com mais precisão e agilidade.
A temperatura de fermentação, por exemplo, é uma variável importantíssima na elaboração de vinhos brancos e tintos. Permite otimizar a obtenção dos aromas nos brancos e retirar os componentes da cor nos tintos.
Nos brancos trabalhamos com baixas temperaturas, nos tintos com altas.
A tecnologia que proporcionou? Sistemas eletrônicos de temperatura que permitem automatizar esta operação liberando “as mãos” dos enólogos.
A forma de extração dos sucos é importantíssima para evitar incorporar “precursores da oxidação”, aqueles que depois amarelam os vinhos e transformam os agradáveis aromas de frutas frescas em aromas passados e desagradáveis.
A tecnologia que proporcionou? Sistemas de prensagem pneumática que permitem retirar com precisão o suco central, o chamado “gota”, rico em açúcares, equilibrado em acidez e carente de precursores da oxidação.
Estes dois exemplos, como outros que não cabe citar, ajudaram o enólogo em tarefas rotineiras e estafantes oferecendo precisão e agilidade. Melhoraram a tarefa técnica sem interferir na forma de elaborar os vinhos.
A enologia com o passar do tempo foi se aperfeiçoado, ficando mais precisa, errando menos.
Mas também foi ficando mais intervencionista já que a oferta de novidades tecnológicas em busca da diminuição de custos e da padronização dos vinhos, ofereceu equipamentos para retirar água dos sucos, lascas de carvalho para substituir as caras barricas, taninos que fixam a cor e amaciam os vinhos, etc. etc.
Nestes casos a tecnologia ajuda a padronizar, mas admite alterar a composição normal do vinho ou encurtar tempos com sacrifícios qualitativos.
Nas minhas andanças pelo estado por causa de consultorias, tenho o privilégio de conhecer enólogos e estudantes de enologia com os quais troco informações, técnicas, novidades.
E confesso que fico preocupado ao comprovar que as novas tecnologias começam a formar parte do que é chamado PROTOCOLO de elaboração. São receitas nas quais são utilizados insumos diversos, alheios à matéria prima, que tem como função produzir vinhos PADRONIZADOS, muito iguais, intensos de cor, macios, com forte aroma e sabor de madeira, parkerizados.
O estarrecedor é que isto está sendo ensinado aos alunos, ou seja, as escolas e faculdades estão formando “robôs” que atuam distantes da realidade do vinhedo, da característica da matéria prima.
Eu posso assegurar que na enologia tradicional, aquela que busca a expressão do terroir, não cabe, não é possível aplicar qualquer protocolo.
É a uva e o comportamento do clima na fase de maturação, que conduzem o espetáculo.
O enólogo deve decidir a técnica a utilizar conforme a composição e estado sanitário da uva.
Ele poderá chegar a conclusão que ante o comportamento cruel do clima não poderá obter vinhos de longa guarda, ou sim. Poderá concluir que a maceração será mais ou menos prolongada, em diferentes condições de temperatura. Adequará a forma de elaborar à condição da uva.
Esta é a verdadeira enologia, a mágica missão que nos desafia a cada ano e nos torna mais pacientes, tolerantes e observadores.
Com as variações constantes do clima no RS, praticar a enologia nesta terra é a maior escola do mundo.
Basta não a contaminar com soluções rápidas que nos levam a vinhos padronizado sem graça, sem alma.